quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A Frente de Direita - Parte 1: Direitopatia e Homossexualidade

Antes de tudo, um aviso importante: esse texto é diferente dos demais desse blog. Ele será longo, pela necessidade de explanar o assunto de maneira mais clara possível, e pela miríade de eventos e situações que nos conduzem às conclusões aventadas. A idéia, aqui, é expor todas as vertentes da idéia de Direitopatia, pois esse texto, antes de tudo, é um alerta. Um alerta contra uma concepção de mundo anacrônica, perigosa e em crescente expansão. Podem encarar isso como um manifesto, uma reflexão ou apenas um desabafo, mas o tom que eu busco é, o máximo possível, de um ensaio crítico.
Tentei evitar a postura mais abertamente sarcástica e mau humorada dos meus outros textos do blog, pois acho que não combina com a discussão de um assunto no nível que quero empregá-lo. A tese que lanço aqui não é nova, mas tento dar a minha visão - e, espero, contribuição - sobre o fenômeno do crescimento da direita no nosso país e no mundo. Para tanto, dividi o texto em partes. A primeira traz a introdução à minha concepção de Direitopatia (que como termo, aliás, já é popular na internet bem antes de mim) e a explicação desta mediante o exemplo da homofobia. A segunda, que espero colocar aqui em breve, trará a minha análise do fenômeno da fé aliada a repressão e ao modelo capitalista neoliberal. Advirto, porém, que não sou sou sociólogo, tampouco teórico político ou membro de qualquer entidade social; sou antes de tudo uma pessoa assustada com os rumos da sociedade atual.

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Esquerdopatia: termo cunhado, até onde sei, pelo colunista da Revista Veja Reinaldo Azevedo, para definir um comportamento social, para ele uma "patia", que rege as ações de alinhados a uma esquerda cega e burra. Basicamente, é como se se interpretasse Marx à risca, se fechasse os olhos para os crimes cometidos por Mao, Stálin e outros em prol da bandeira do comunismo. O colunista já deixou por vezes claro que não apenas é contra a esquerda, mas que considera-a nefasta o suficiente para ser encarada como uma doença, que cresce epidemicamente entre algumas parcelas da população desde que Lula se tornou presidente. Um dos sinais claros desce crescimento seria o surgimento na internet de grupos de blogueiros, dentre eles alguns jornalistas famosos como Paulo Henrique Amorim, Luís Nassif e Luiz Carlos Azenha, que se intitulam blogueiros "progressistas", defensores de uma idéia chamada PIG. O PIG é uma sigla para "Partido da Imprensa Golpista", um conglomerado de forças de imprensa - formado por Globo, Abril e sua revista Veja, os Saad da Band, Folha de SP, etc. - cujo objetivo seria minar oposições contrárias à custo do exercício do seu poder de mídia de massa, pelo qual minariam seus inimigos.

Acho que uma idéia criada por um opositor da esquerda nunca foi tão adequada para definir a direita.

Destaquei, em negrito, trechos que unidos podem nos fazer entender a postura histórica da direita, e que podem configurar uma Direitopatia.

- Apenas estou usando a lógica da semiótica: para existir uma cadeira, deve existir uma não-cadeira que define a cadeira como tal.

Direitopatia: define um comportamento social, uma "patia", que rege as ações de alinhados a uma direita cega e burra. Basicamente, é como se se interpretasse a Bíblia à risca, se fechasse os olhos para os crimes cometidos por Vaticano, EUA e outros em prol da bandeira do capitalismo.

Podemos encarar a nossa sociedade atual sob o olhar da direitopatia? Não apenas podemos, mas devemos ficar alertas ao crescimento de um comportamento hostil, arraigado em preceitos antiquíssimos, mas que se renovam através da popularização da idéia mais banal do mundo: a liberdade de expressão.

É um paradoxo interessante, que pode ser explicado por um exemplo simples: Sempre que se defendeu os direitos dos homossexuais, por exemplo, houve repressão baseada em uma concepção ético-religiosa: da antinaturalidade. Considerando a natureza biológica do binômio homem+mulher como necessário à vida, os detratores dos direitos dos homossexuais se posicionaram sempre contrários à concepção de que dois homens ou duas mulheres pudessem formar um casal. Oras, se o amor une homem e mulher para gerar um filho, não existe amor em uma relação que não gera frutos. Essa é a bandeira anti-homossexual desde sempre, mas como toda bandeira ela se fixa em um terreno não muito firme: o do preconceito. Assumir que, pela antinaturalidade, um homossexual é um comportamento errado, é assumir que a existência desse é também biologicamente errada, o que pode o conduzir a considerá-lo um ser que não merece fazer parte de uma sociedade natural. Isso leva à violência, inevitavelmente.
Mas, quando a sociedade começa aos poucos a inserir em seu regime capitalista básico noções pontuais do socialismo, as coisas começam a mudar. Eu nem preciso explicar como isso funciona, deixo Antônio Cândido falar:

O senhor é socialista?

Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias... tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Por quê?

Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

Socialismo, para Cândido, é mais que um regime de oposição ao capitalismo: é uma característica intrínseca a uma sociedade que cresceu às voltas com uma revolução industrial, com uma mudança de paradigmas opressora. O socialismo, definido magistralmente como "todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado" não é hipótese, é fato. Faz parte da consciência humana, que considera um trabalhador senhor de si por ser humano, e como tal, digno de gozar de sua vida em detrimento do regime de trabalho opressor do patrão.

- E o que isso tem a ver com homossexualismo?

Quando o socialismo prevê que nós devemos nos adequar á igualdade, e encrusta no capitalismo essa noção, começa a surgir a concepção de que homossexuais são iguais, pois são humanos. A reação natural contra posturas anti-homossexualismo (que eu não vou chamar de homofobia ainda, pois nesse estágio inicial nada mais é do que uma reação de defesa da sociedade) é o surgimento do movimento baseado justamente no direito adquirido. A moeda de troca da sociedade, porém, só veio anos mais tarde, quando homossexuais ganharam espaço dentro do capitalismo. Na verdade, quando eles se tornaram mercado consumidor. Podemos facilmente situar isso nos anos 2000, e um reflexo natural para qualquer um entender são, por exemplo, a proliferação de gays nas novelas da rede Globo. Podemos sim pensar numa sociedade mais justa e inclusiva, mas antes disso, temos uma sociedade que descobriu um filão econômico forte mediante uma crise iminente e destruidora. O capitalismo se aproveitou disso, e inseriu o gay na sociedade. Ele, agora, é natural, pois seu amor interessa ao capitalismo, não porque a sociedade como um todo tornou-se mais compreensiva.
E como ficam os defensores do anti-homossexualismo? Num primeiro momento, acuados, fechados em seus próprios argumentos. Com a perda de poder dessa bandeira, eles precisavam arranjar outra, que se adequasse ao modelo do capitalismo atual - que a partir de agora vou chamar de sociocapitalismo, justamente pelo paradoxo imbricado nesse postulado. A bandeira achada é justamente a bandeira da esquerda liberal: a liberdade de expressão.
É crime contra a liberdade de expressão discriminar um discriminador. Logo, a título de defender os preceitos da antinaturalidade do homossexualismo - e reafirmar os preceitos da parcela da população que mais sofre com as diretrizes de governos sociocapitalistas, que é a classe média cristã - inventou-se a idéia de que defender-se do homossexualismo é defender a sua liberdade de expressão, que nada mais é que uma nova maneira de enxergar a mesma antiga defesa à família natural. E mais: reverte-se o paradigma da impossibilidade da existência do antinatural levar à violência. Agora violência é não permitir que o homem tenha direito a impedir a penetração do conceito homossexual no microcosmo de sua comunidade. É violência contra a sua liberdade.
É bom atentar que, levando em conta essa colocação, ações como a do deputado Jair Bolsonaro ainda são meramente circenses. Jair Bolsonaro não é detentor de um discurso antinaturalista atual, adequado ao sociocapitalismo. Ele é da escola do recalque original, que investe como um leão contra qualquer ação que perscrute ao mínimo a esquerda. Ele é da mais próximo da posição de Júlio Severo, que de Reinaldo Azevedo. Apesar de nutrir ambos - e é aí que mora o perigo.
Posicionamentos como 0 de Bolsonaro não são diretamente responsáveis por atos de violência e repressão, mas nutrem os argumentos direitopatas. É como se uma pequena semente fosse plantada, e que germinasse lentamente, enquanto os jardineiros se preocupam em podar as arvores velhas e já corroídas pelo tempo. Bolsonaro é quem é desde muito tempo atrás, mas só o descobriram agora.
A Direitopatia surge quando esse discurso começa a fazer sentido.

- Oras, eu não sou homofóbico, mas não quero que meu filho seja gay. Se o kit anti-homofobia fizer meu filho se tornar gay, eu fico do lado do Bolsonaro. Mas não totalmente.

É o Vanderley da sauna gay, um dos últimos personagens bons do Casseta & Planeta. Ele frequenta a sauna, mas não é gay. O pai de família da classe média é contra o kit anti-homofobia, mas não é homofóbico, pois não quer ser comparado ao Bolsonaro. Ademais da comicidade da comparação, é dessa sementinha que surge isso:


Quem lançou esse projeto?


Carlos Apolinário, que se diz o "Vereador das Mãos Limpas", mas logo abaixo desse logo, em letras miúdas, deixa visível o lema "Fé e Trabalho". O que evidencia a segunda diretriz do comportamento direitopata: a defesa da Fé.

Aguardem a parte 2: Games, Heavy Metal, Noruega e o poder da Fé. Abraços.