Este texto é parte de um projeto maior, inacabado e, de tal modo, ainda dependente de revisões e reflexões. Ele faz parte de uma sequência e, não em seu formato apresentado aqui, é continuação do texto "A
FRENTE DE DIREITA Parte 1: Direitopatia e Homossexualidade" em http://muralhasdetroia.blogspot.com.br/2011/08/frente-de-direita-parte-1-direitopatia.html, em 4 de agosto de 2011. Da mesma forma que o anterior, cabem algumas ressalvas:
Tentei evitar
a postura mais abertamente sarcástica e mau humorada dos meus outros textos do
blog, num primeiro momento, pois acho que não combina com a discussão de um
assunto no nível que gostaria de empregá-lo. A tese que lancei aqui não é nova,
como nada dessa "obra" é, mas tento dar a minha visão - e, espero, contribuição -
sobre o fenômeno do crescimento da direita e do conservadorismo no nosso país e no mundo. Para
tanto, dividi o texto em partes, quando da sua publicação original. A primeira, referida acima, traz a introdução à minha concepção de Direitopatia (que como termo, aliás, já
é popular na internet[1]
bem antes de mim) e a explicação desta mediante o exemplo da homofobia. A
segunda, que não foi ao ar por falta de tempo, traria, de início a minha análise
do fenômeno da fé aliada a repressão e ao modelo capitalista neoliberal.
Advirto, porém, que não sou sou sociólogo, tampouco teórico político ou membro
de qualquer entidade social; sou antes de tudo uma pessoa assustada com os
rumos da sociedade atual e, é claro, da futura.
[1]
http://www.google.com.br/#sclient=psy&hl=pt-BR&safe=off&source=hp&q=direitopatia&pbx=1&oq=direitopatia&aq=f&aqi=&aql=&gs_sm=e&gs_upl=2069l7178l0l8040l14l14l2l2l2l0l352l2906l2-5.5l10l0&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.&fp=20f6613e59e89f3e&biw=1024&bih=600
Glossário:
Tendência
conservadora cumulativa - é a tendência que todo discurso conservador possui de ser conservador ontologicamente; é também o processo de congruência filosófica de todo discurso conservador.
Direitopatia - define
um comportamento social, uma "patia", que rege as ações
de alinhados a uma direita cega e burra. Basicamente, é como se se
interpretasse a Bíblia à risca, se fechasse os olhos para os
crimes cometidos por Vaticano, EUA e outros em prol da bandeira do
capitalismo. É baseado no análogo Esquerdopatia, um termo cunhado, até onde sei, pelo colunista da Revista Veja Reinaldo Azevedo[1]
- Mas eu não
posso acreditar em Deus e ser a favor dos direitos dos homossexuais? Afinal,
nem todo religioso é um conservador e preconceituoso...
Aí há um porém
que, sim, vai assustar os despreparados, mas quem chegou até aqui provavelmente
ou não concorda com nada do que eu disse - e está preparado para mais
abobrinhas - ou concorda plenamente - e está preparado para o pulo do gato.
Há, no
comportamento do "direitopata", algo que demonstra muito o porque desse
comportamento ser doentio e epidêmico. Há na apreensão pelo "direitopata" de
qualquer discurso conservador o que chamo de “tendência conservadora
cumulativa”, mas que vou resumir apenas para tendência. Um discurso religioso,
no ocidente - e sim, nesse caso só penso no cristianismo, pois é a mola mestra
dessa sociedade ocidental e não cabe investigar, a título de filosofia
ocidental, a ala oriental do fenômeno religioso se esse não influencia os
comportamentos padronizados a serem apresentados aqui (ainda mais que qualquer análise que eu empreendesse seria reducionista e muito mais do que me permito ser aqui) -, está centrado em três
preceitos básicos no que tange a sociedade: (i) o tradicionalismo, (ii) o
dogmatismo e (iii) o evangelismo. A explicação desses preceitos levará à
compreensão do funcionamento do sistema cumulativo de “endireitamento” do
indivíduo, e de como isso se processa de forma epidêmica.
(i) Toda
religiosidade ocidental é, em primeira ordem, atenta às tradições em seus dois
aspectos básicos: (1) ritualísticos, ou seja, o modus operandi da
celebração, com o requinte da expressão religiosa como um discurso visual,
sensível e regular, no qual a sucessão de eventos que reencenam a paixão visa
cumprir o papel de ressignificação do mundo pelo mito cristão e de adequar a
religião ao mundo; (2) morais, ou seja, a depreensão social da mensagem do
livro sagrado, codificada pelo ritual e pelo discurso do sacerdote ou do
convênio de sacerdotes, que adéqua o mundo à religião. Nessas duas instâncias
se constrói a singularidade dos vários cultos e fés, e, ao mesmo tempo, se
apreendeu historicamente os antigos pagãos ao novo preceito religioso que se
queria propagar, ao manter e apreender os rituais e tradições dessas culturas o
mais próximo possível do formato original.
(ii) o
dogmatismo religioso é, em grande parte, o sustentáculo de sua imposição a
outros povos. Não é verdadeiro afirmar que todas as verdades religiosas são
imutáveis, pois isso desconsideraria a absorção dos traços de outras culturas e
a adaptação regional que sofrem essas religiões, pra citar apenas dois aspectos
fundamentais na construção das religiões atuais. O dogmatismo não é, em suma, a
implicância objetiva de aspectos de uma tradição religiosa, mas a ideia de que
há a necessidade intransigente de uma normalização sob preceitos estanques.
Mas, claro, o estanque aqui é uma “ ilusão de imobilidade”, não é em si algo que
não mude ou não se adeque às instâncias sócio-históricas, como dissemos. É
apenas a necessidade inerente ao conceito de que hajam predisposições
estanques, e que por serem estanques não estão expostas ao mundo para serem
defendias ou atacadas, mas para serem aceitas. É uma abstração que visa um
aspecto de concretude, e dele se nutre para legitimar o discurso. E o dogma
primordial é a existência de uma instância superior ao homem.
(iii) o
evangelismo é o preceito de que, por ser a verdade reveladora que salvará a
humanidade, a religião deve ser propagada até que se torne a única. Não levo em
conta aqui a ideia de juízo final, pois na verdade, mesmo que o objetivo final
seja a salvação para a vida eterna em um mundo melhor que o da terra, a
evangelização prevê uma salvação extremamente individualista. Não se evangeliza
porque se espera salvar o mundo, se evangeliza porque o mundo não tem salvação,
mas o indivíduo tem. Assim, é papel do fiel propagar a sua fé e convencer o
outro de que ela é o único veículo para a salvação já que, no final, apenas
aqueles que aceitarem isso serão salvos. Há duas instâncias de salvação: a
tradicional é a (1) espiritual, que prevê que há um mundo paralelo ao nosso no
qual todo aquele que peca será julgado. Nesse mundo há dois “submundos”, o
paraíso e o inferno, sendo que quando não há inferno há o retorno para a terra,
local que assume por vezes ares de inferno nessa concepção. A outra instância é
a (2) salvação terrena, consequência direta das teologias da prosperidade que
norteiam principalmente a filosofia neopentecostal, mas que estão na base de
outros fenômenos tradicionais como oferendas em troca de sucessos - e isso nada
mais é que a troca consciente entre o fiel e a divindade que se observa desde
as oferendas votivas de povos pagãos antigos; a teologia da prosperidade é uma
sofisticação positivista e capitalista do mesmo método. A ideia é que há
possibilidade de melhorar a situação da vida na terra (a terra como inferno,
novamente), e que essa melhoria é uma salvação terrena. O veículo para tanto é
o milagre, fenômeno que passa de uma prova da existência do sobrenatural para
uma ferramenta pela qual o sobrenatural opera para ajudar o eleito. E, nas duas
instâncias, o fiel deve propagar a palavra para ser salvo. O suposto altruísmo
cristão nada mais é que individualismo eufemizado e disfarçado para a aceitação
da massa crente.
Essa longa
divagação sobre as bases da fé tem, por objetivo, compreender o conceito de
tendência que lancei lá em cima. Basicamente, retomando o conceito de
direitopatia, há uma congruência filosófica no comportamento conservador que o
alinha necessariamente a todo tipo de filosofia que possua as mesmas
características que embasam sua reflexão de direita. Não obrigatoriamente um
religioso necessita ser de direita, mas a quase totalidade das posturas de
direita passam por um aspecto religioso. Isso porque, na base da religião,
estão esses três conceitos descritos acima, muito caros ao conservador.
Um exemplo de
como funciona esse discurso ocorre quando o "direitopata" defende,
metodologicamente, uma postura conservadora apoiado na constituição de seu país,
por exemplo. Um texto instituído (i - tradição) que estabeleça diretrizes
normativas estanques (ii - dogmatismo) e que sirva para conduzir a sociedade e
o cidadão para o caminho do bem (iii - evangelismo): a Bíblia e a Constituição
são, em suma, para o direitista, a mesma coisa. E por isso ele as defende em
igual medida.
A psique social
do conservador implica em si a construção de uma base metodológica para a vida
humana: ele precisa ser conservador em todos os aspectos de sua atuação. Mesmo
que, em origem, ele não seja totalmente conservador, há uma tendência natural
que ele sempre assuma discursos conservadores e, aos poucos, isso cresça
epidemicamente. Assim, um religioso ocidental, mormente o cristão, não é conservador em primeira instância, mas
aos poucos, seguindo os conselhos do seu guia espiritual, ele converge para seu
discurso todos aqueles outros discursos que condizem com a metodologia de
pensamento conservadora, pois na sua raiz a religião é conservadora.