domingo, 20 de outubro de 2013

Salvem as baratas!



Todo mundo tem que dar pitaco, certo? Então lá vou eu. Bom dia!

Eu, se pudesse, enfiava um tubo de ensaio quente e bem grande reto adentro de alguém que tortura um animal pra fazer um produto de beleza. Assim como morro de vontade de tirar uma tira de couro de um peão de boiadeiro na espora, com seu saco escrotal devidamente atado e bem apertado pra ele pular bastante. Todos nós temos vontade de ver gente que maltrata bichos sofrer o dobro. São animais irracionais, que não entendem o porque estão ali e sofrem para suprir nossos caprichos fúteis. Somos seres terríveis, capazes de coisas tão nefastas quanto arrancar olhos de animais para uma perua qualquer ficar mais cheirosa. A humanidade não vale absolutamente nada.
Isso posto, eu refleti muito. E não sou a favor do que está acontecendo no Instituto Royal.



Primeiro por conta da logística: simplesmente invadir e tirar os bichos de lá não resolve nada. Quem compra os produtos deles vai continuar comprando, e não está nem aí pra isso. Por conta disso, um boicote seria muito complicado de fazer também. Seria melhor algum tipo de campanha de conscientização ou, o que eu acho muito mais coerente, entrar na justiça e apresentar as PROVAS dos maus tratos. Temos fotos, os bichos, etc. Vamos botar eles no pau, fechar a empresa. Agora, vejam bem, as maiores provas do crime são justamente os bichos que foram levados de lá! Isso se chama destruição de prova, minha gente. É como invadir uma cena de um crime e roubar um corpo ANTES da polícia averiguar. Ou seja, ninguém pode legalmente garantir que não se modificaram as "provas" do crime, por mais ridículo que isso possa parecer. Além disso, a depredação do local conta como um fator inverso do que se imagina, pois um juiz vai julgar isso como invasão de propriedade, destruição de patrimônio e etc. Capaz dele nem ligar pras denúncias, pegar todos os cachorros de volta e botar a galera pra pagar indenização pra empresa. Não estou querendo dizer que não faria o mesmo, pois faria e ainda tocaria fogo naqueles laboratórios sem dó. Mas agir daquela forma, por pura emoção do momento, foi burrice. Não é como os black bloc no Rio, por exemplo, pois a coisa aqui tem objetivos bem claros e, acima de tudo, garantir o direito dos cães passa inevitavelmente por essas questões legais, não podemos ser ingênuos quando tratamos de vidas. 
Segundo que não sabemos nada desses cães. Eles são cobaias, logo podem ter uma configuração genética que não os permita viver plenamente fora de um laboratório. Pense num passarinho de gaiola: muitos deles já nascem em cativeiro e não tem condições de viver sozinhos, mesmo que pareça lindo soltá-los para a natureza. Esses cães podem morrer pois devem ter um sistema imunológico muito frágil, senão inexistente, justamente para que as pesquisas prossigam de acordo. Será que haviam veterinários entre os manifestantes, que possam garantir a segurança e o bem estar dos cães DEPOIS da sua retirada? Não são três ou quatro animais, gente, essas coisas tem que ser planejadas! Não é como ir pra rua quebrar banco, mesmo que pra isso você leve sua mochila com máscara e tal. São vidas, cacete! Você não simplesmente tira eles de lá e leva pra casa.
Terceiro ponto, e o mais sério do debate: agiríamos da mesma forma, mortais impressionáveis, se as pesquisas fossem feitas em baratas ao invés dos fofos beagles com olhares tristes? Vemos esse tipo de invasão em matadouros de gado para libertar as vacas, naqueles galinheiros medonhos que socam hormônios nos frangos e os confinam? Não, ali no máximo você vê a galera vegan se esforçando para algo, galera que luta há anos contra isso e ninguém nem dá cartaz. Os beagles nos causam uma sensação de proteção, acolhimento, são fofinhos. Isso é da natureza, é o instinto protetor que nos faz cuidar dos bebês, por exemplo. Mas e os camundongos do instituto Royal, foram libertados? Aliás, meus caros, se fossem crianças bolivianas isso não teria acontecido. Há escravidão no Brasil, mas ninguém entra nas fazendas do Mato Grosso pra libertar os índios escravizados, né? Quem entra, uma meia dúzia, vive com medo, morre, etc. Desculpe, mas eu vejo uma sociedade na qual uma criança suja vale menos que um beagle. Não é relativismo, meus caros, é realismo: se não fossem beagles nada disso teria acontecido. Somos seres humanos, nossa indignação é seletiva. Nos importamos com eles por que são vidas ou por que são beagles?
Não levem a mal, eu, na raiva, faria o mesmo. Mas é burrice, falta de noção, fazer o que foi feito. Aliás, alguém foi lá ver a lei que regulamenta isso, se eles estavam mesmo descumprindo a lei? Alguém foi lá tentar falar com cientistas pra ver como a coisa funciona, como estamos no desenvolvimento de métodos substitutivos, como estão as verbas e tal? Porque se descobrirmos amanhã que a lei permite arrancar um olho de um beagle para fazer xampu, a luta tem que se dar em outro nível, tem que envolver conselhos de ética, cientistas, políticos, os próprios membros de institutos que usam cobaias e etc. Só eu que acho que a coisa toda devia começar justamente pela legislação?
Uma vitória foi expor o caso para todos, isso foi mesmo. Precisávamos tocar no assunto, fazer ele rolar na mídia. Não sou a favor de se utilizar animais para esse tipo de coisa, nem pra outros tipos de pesquisa. Prefiro que nunca curemos a AIDS a maltratar um ser irracional para descobrir a cura. Mas a luta não se dá sem planejamento e foco. Torço para que não apenas os cientistas, mas os ativistas ponham a mão na consciência.
Sorte dos beagles, que não nasceram baratas.