Esse texto é uma reunião de postagens, comentários e outras elucubrações que venho fazendo acerca do tema nos últimos dias, principalmente na minha página pessoal do facebook. Resolvi publicar no formato de texto com o intuito de esclarecer minha posição, aos que já me conhecem, e abordar um outro espectro da questão que não tenho visto ser abordado por aí.
Meu nome no facebook é Fábio Gerônimo Guarani Kaiowá. Apesar de terem tentado (e conseguido) eliminar esses nomes ligados à essa causa do facebook, eu por algum motivo consegui manter o meu. Fiz isso como um apoio à causa dos índios Guarani-Kaiowá, que estavam ameaçados de extinção pela ação criminosa de senhores de terra dos rincões do velho-oeste brasileiro. Eu não preciso explicar toda a situação, suponho, mas me lembro que rolou pelo facebook uma petição online pelos Guarani-Kaiowá. Eu assinei, obviamente, acreditando que a petição efetivamente poderia ajudar a solucionar a questão. Acredito no poder de mobilização coletivo em prol de uma causa, e é fascinante que a internet possa permitir uma ação do tipo. Eu não julguei, no momento, que aquela ação poderia ser inútil efetivamente: apenas julguei que eu estava contribuindo um pouco com algo que, pra mim, é dever de qualquer defensor da vida humana.
Mas e a mudança do nome? Há vários motivos, diferentes pra cada pessoa (a Eliane Brum traz um excelente texto sobre o assunto). Pra mim, a mudança tinha outra via de ação: ao integrar-se nominalmente ao grupo que eu queria defender, simbolicamente eu defendia que eu fazia parte daqueles que se entregavam à morte perante a máquina compressora dos ditadores do campo. Eu obviamente não iria morrer de fato, mas é como se eu dissesse ao mundo que a morte daqueles seres é a minha morte também. Aliás, mais que isso, é a morte de qualquer um de nós, a morte de nossa ética, de nossa decência, de nosso bom senso e justiça. Além disso, permiti a cada pessoa que visse meu nome pensar, mais uma vez, naquela causa tão urgente. Não é apenas uma postagem que fica pra trás na longa timeline do facebook, mas o meu nome: sempre presente, afixado na minha existência virtual. Por esse último motivo que eu não removi o nome da tribo ameaçada do meu facebook, como alguns amigos fizeram quando, dada a pressão, começou-se a rever a questão da demarcação de terras dos Guarani-Kaiowá. Eu sei que, mesmo que uma vitória tenha sido conquistada, a vida desses seres ainda está em perigo, e tudo pode mudar a qualquer momento. É um protesto, também, perante gente como a bancada ruralista do congresso, gente como Regina Duarte, defensora dos direitos dos donos de terras, e Kátia Abreu, da própria bancada, dianteira na pressão exercida sobre a presidente em favor dos interesses desses criminosos.
O ciberativismo, como está sendo chamado, se tornou o responsável por essa e por outras ações que geraram efetivas mudanças a curto prazo. É sempre lembrada a famosa Primavera Árabe, motivada por jovens conectados em rede, com anseio de mudança. Mas nenhuma dessas ações obteve sucesso exclusivamente pela movimentação da rede. Sempre foi necessário ações concretas fora do mundo virtual em prol do sucesso das empreitadas, sendo o palco internético o espaço de agregamento de ideias, de informações e, principalmente, de pessoas e logística.
Esse é o gancho para entrar objetivamente no assunto do texto que, propositalmente, exponho no titulo de maneira polêmica e agressiva.
A mobilização virtual fomentada pelo jovem Emiliano Magalhães contra o senador das Alagoas Renan Calheiros (PMDB) foi uma ação das mais populares no meio virtual brasileiro dos últimos anos. Eu recebi essa petição (e vários clones e petições derivadas) todo dia tanto por facebook e email (não vi o twitter porque o twitter morreu e ninguém usa mais). É um pedido tão repetido, tão insistente, que você chega a se sentir mal por não aderir, como se você não estivesse cumprindo seu dever cívico de lutar pela decência e moral no seu país, afastando a corja corrupta do congresso com o poder que as novas tecnologias te oferecem. Ao invés de compartilhar memes, piadinhas e outras bobagens, eu estaria efetivamente contribuindo pro futuro do meu país, numa ação realmente construtiva.
Tudo uma tremenda bobagem demagógica, hipócrita e inútil.
Vivo postando textos sobre política no facebook, manifestações diversas, mas sempre alinhadas à minha visão de mundo, ou seja, esquerda, doa em você ou não. Esse tipo de postagem é mais útil do que muita gente pensa, pois serve para fomentar o debate, de todos os lados, e a única coisa tão importante quanto a leitura na formação do conhecimento humano é o debate. Por isso não sou contra manifestações políticas no facebook, muito pelo contrário, eu as acho fundamentais. Mas nenhum debate que comece e termine na internet é frutífero de verdade, sabe? As pessoas não leem as coisas, não prestam atenção e compartilham qualquer coisa. Pouco importa se eu concorde ou não com sua opinião, eu sempre espero que as pessoas que estejam compartilhando algo no facebook o façam porque você conhecem e corroboram com os argumentos que defendem. Eu não vejo isso no comportamento das pessoas, elas reproduzem o discurso alheio sem atentar para o que existe por trás das propostas que elas dizem defender. Eu apostaria que 90% de quem compartilhou a tal petição online não sabe nada sobre o "Renangate", capaz de nem saberem de que estado ele vem. Acho que ativismo virtual é verdadeiramente útil quando ele não exclui o real e quando ele gera reflexão, o que não é o caso.
Mas e o caso dos índios? Todos bem sabem que as petições online foram apenas uma das diversas ações empreendidas em defesa deles. Houveram manifestações de todos os lados, pessoas saíram às ruas, foram até as aldeias. A petição sozinha não tem força alguma, nem tem o valor efetivo de um abaixo-assinado real, mas pode servir como uma de várias ferramentas para a conscientização. Como a mudança dos sobrenomes.
As pessoas que compartilharam e insistiram pela sua assinatura o fizeram por três razões: uma é a efetiva ilusão de que a coisa funciona, por desinformação; a segunda é a ilusão de estar fazendo a coisa certa, de estar contribuindo para algo, que gera uma aceitação por parte da sociedade - a não assinatura está ligada diretamente aquela impressão de não ser cidadão, que comentei antes - e um conforto espiritual; a terceira razão é a ilusão de segurança: quem não sai às ruas pra protestar não toma borrachadas, não é perseguido, ou seja, o ativismo no conforto do sofá garante ao agente fazer a sua parte sem se mover... é o ativismo moderno, a mobilização delivery, muito melhor explicada neste post do Observatório da Imprensa.
Mas essa não é a minha única bronca.
Como já postei no facebook, a corrupção não é o maior dos problemas da nossa política, nem o menor. É um problema endêmico, epidêmico, que faz parte de PT e PSDB, só pra citar dois espectros mais visivelmente opostos da política nacional (e cada vez mais semelhantes). Os corruptos de hoje só se diferenciam dos de ontem por duas coisas: são mais novos e estão sendo punidos. No governo FHC tivemos diversos casos de corrupção, denunciados pelos mesmos jornalistas que hoje falam de mensalão e Cachoeira. Mas o que a maioria das pessoas reclama sobre a corrupção no governo federal é mais grave justamente por ser a continuidade de um esquema que parece indissociável do nosso modelo político atual do que por ser uma traição ao seu voto de confiança. Muita gente votou no Collor e, arrependido, votou no FCH. O ciclo de arrependimento os levou a elegerem o Lula e depois a votarem no Serra, sem sucesso. Esse arrependimento vem do fato de que as pessoas estão anestesiadas - muito por culpa de nossa mídia - em estágio de eterno torpor, com um discurso decorado e propagado sem muita mudança por todos: todo político é corrupto. Mas ser de esquerda não te torna menos responsável, e ser de direita não te torna um poço de moral. Votar nos corruptos de ontem não é melhor que votar nos de hoje, e não resolve nada, apenas te dá a ilusão de mudança. Mas como todos sempre prometem saúde, educação e moradia e a mídia sempre promove os roubos e falcatruas, as pessoas (com razão) desacreditaram totalmente no modelo político atual. E esse é um dos maiores, senão o maior perigo pra uma democracia: quando os cidadãos perdem a confiança na legitimidade dos seus representantes.
Isso nos leva de volta ao Renan Calheiros:
Será que todas as pessoas que clamam contra a eleição do Renan Calheiros à presidência do senado sabem exatamente o que um presidente do senado faz?
Será que todas as pessoas que compartilham abaixo assinados pedindo sua cassação sabem como funciona o sistema de cassação de parlamentares no país?
Será que todas as pessoas que reclamam da corrupção nunca votaram em um corrupto?
Meu comentário todo é baseado no fato (sim, isso é um fato) de que cada vez mais as pessoas compartilham informações das quais ela não tem certeza ou mesmo que nem são verídicas apenas pelo fato de que, compartilhando, elas se sentem bem pela ilusão de fazer algo. É o caso do tal site de petições que, efetivamente, não tem poder algum sem uma mobilização séria, daquelas com papéis e assinaturas reais. No texto do Observatório, o especialista em internet faz um comentário sobre a possibilidade de o ativismo virtual substituir o ativismo real (marchas, manifestações, etc.), pois ele é mais seguro (ninguém apanha da polícia) e permite o anonimato. Mas isso pode acabar dando origem a um ativismo restrito ao mundo virtual, o que seria muito danoso pra democracia. Eu acho importantíssimo o espaço das redes tanto do ponto de vista simbólico (o caso do meu sobrenome no facebook), quanto da pressão efetiva, mas o exemplo claro de que certas mobilizações estão com o foco errado é que essa petição contra o Renan Calheiros surgiu antes de sua eleição, foi comentada até pelos congressistas e, mesmo assim, ele acabou eleito! O que é complicado no caso são duas coisas: o fato de o Renan poder se reeleger para qualquer cargo político (pois lá na terra dele ele SEMPRE vai ganhar) e o fato das votações na câmara e no senado serem sempre secretas. No fim, por vezes, nem sabemos se as pessoas em quem votamos realmente estão defendendo nossos interesses.
Outra coisa equivocada na maioria das pessoas é a visão do que é um corrupto: tecnicamente, por mais que pessoas gritem aos quatro ventos contra ele, o Lula não é um corrupto. Ele é considerado um corrupto porque o relacionamos aos casos de corrupção promovidos pelos membros de seu partido, o PT, como o Mensalão. Mas não há provas contra ele, pelo menos não para o STF, que nem o incluiu nos seus julgamentos. Logo, se eu não voto no Lula porque ele é ACUSADO de corrupção, eu não deveria votar em 90% dos políticos, como Serra e até o FHC, todos acusados - pela mídia ou pelos populares - de algum escândalo de corrupção. O que quero dizer é que as pessoas dizem que o Lula é corrupto porque boa parte da grande mídia o designou dessa forma, logo compramos o discurso alheio mais uma vez como se ele fosse a verdade quando, em suma, ele é uma interpretação dos fatos. A mesma coisa acontece, PASMEM, com Renan Calheiros: houveram seis representações contra ele no conselho de ética mas ele renunciou antes, por pressão "popular". Tecnicamente, ele não foi nem julgado, renunciou ao cargo de presidente e manteve o cargo de senador. E cadê o povo pra exigir o prosseguimento dos processos?
Afastar Renan Calheiros da presidência, em suma, nada muda na política nacional. Ele tem que ser julgado e punido, não apenas afastado de uma função pra voltar logo depois. Mas enquanto os mecanismos políticos vigentes permitirem que ele volte, ele voltará, até morrer. Por isso continuam no congresso tantas figuras julgadas e condenadas pela opinião pública e até pela justiça. Alguém sempre vota nesses caras, alguém não se importa nem um pouco com nenhum escândalo político, ao contrário: se sente feliz com a presença desses caciques no poder sempre. O atual presidente da Câmara dos Deputados, por exemplo, é congressista há 42 anos!
Não é o Renan que precisa sair: ele precisa de julgamento e, caso seja comprovado como criminoso, de punição. Mas antes de tudo, é preciso repensar nossa democracia e nossa política.
Mas, numa democracia onde o STF pune Zé Dirceu por saber demais e sequer indicia Lula, por ele não saber de nada, há algo de muito estranho acontecendo...
PS: quer fazer algo de realmente útil relacionado à política na internet: visite o site Votenaweb e conheça as propostas de todos os nossos políticos. Você pode debater e votar (voto simbólico, é claro) nas propostas que você acha boas ou ruins para o país.