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Eu emiti minha opinião no facebook sobre o tema polêmico das crescentes tensões relações entre Legislativo e Judiciário no Brasil. O que eu disse foi o seguinte:
Por um lado, o Supremo não pode ter o poder que acha que tem, pois ele não é um órgão submetido a eleição por parte do povo, não é de sua alçada interferir tanto na governabilidade como vem sendo a sua tônica. Não elegemos esses doutores da lei, mas pessoas que tem a função de legislar.
Por outro lado, não temos um Congresso e um Senado suficientemente isentos e capacitados para se colocarem na posição de seres capazes de delimitar a judicialidade após uma decisão dos - assim supomos - mais capacitados juízes do país. A tal ação "polêmica" só vai gerar ainda mais conchavos e problemas para o já complexo sistema político-legislativo brasileiro. E fica evidente o oportunismo dessa galera, querendo garantir terreno perdido.
No final temos uma querela egocêntrica de gente mesquinha, que serve apenas para nutrir a sanha da mídia de defender seus reizinhos particulares, usem eles toga ou terno, e garantir seu espaço de lobista oficial junto aos donos do poder - e, quem sabe, conseguir seus laranjinhas trabalhando pra ela.
Bem, eu não sou legislador ou jurista. Então fui ler opiniões de todos os lados sobre o assunto. Nisso deparei-me com dois textos bem opostos, que esclarecem diversos pontos mas me deixam ainda com a mesma opinião de antes: o Judiciário e o Legislativo brasileiros estão mais preocupados com o alcance de seus poderes e influência que com o real benefício que tais ações trarão para a democracia. Da mesma forma, a mídia se alia a uns e outros e não se preocupa em veicular a informação com cuidado, reproduzindo discursos superficiais e alarmistas. Claro que, nesse caso, a mídia alternativa sai ganhando ao dar espaço para que o próprio autor da lei se manifeste e a explique, ao invés de dar espaço ao Coronel Gilmar Mendes, como o fizeram os grandes veículos. Mas, na sua vontade de defender a todo custo seus compadrinhos, por vezes essa galera dita "alternativa" acaba apenas fazendo papel de advogada do diabo, sem qualquer critério ou ética.
O Presidente do STF, Joaquim Barbosa |
Bem, eu não sou legislador ou jurista. Então fui ler opiniões de todos os lados sobre o assunto. Nisso deparei-me com dois textos bem opostos, que esclarecem diversos pontos mas me deixam ainda com a mesma opinião de antes: o Judiciário e o Legislativo brasileiros estão mais preocupados com o alcance de seus poderes e influência que com o real benefício que tais ações trarão para a democracia. Da mesma forma, a mídia se alia a uns e outros e não se preocupa em veicular a informação com cuidado, reproduzindo discursos superficiais e alarmistas. Claro que, nesse caso, a mídia alternativa sai ganhando ao dar espaço para que o próprio autor da lei se manifeste e a explique, ao invés de dar espaço ao Coronel Gilmar Mendes, como o fizeram os grandes veículos. Mas, na sua vontade de defender a todo custo seus compadrinhos, por vezes essa galera dita "alternativa" acaba apenas fazendo papel de advogada do diabo, sem qualquer critério ou ética.
Reproduzo os textos abaixo, tirados do Viomundo e do Bule Voador. E depois, um texto do Observatório da Imprensa, que vai mais ou menos de encontro ao que eu penso disso tudo.
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Maria Inês Nassif: Foi o STF que investiu contra o Congresso
Foi o
Congresso que ameaçou, ou o STF que intimidou?
sex,
26/04/2013 – 13:00
Maria Inês
Nassif, no GGN
A reação de
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de parlamentares oposicionistas à
aprovação da admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de
número 33, que define poder recursal do Congresso a leis declaradas
inconstitucionais pelo STF, pode ser tirada da catalogação de fato político e
inserida na lista de manipulação de informação. Com toda certeza, os ministros
que estão reagindo desproporcionalmente a uma tramitação absolutamente trivial
de uma emenda constitucional no Congresso, e os parlamentares que entraram com
um mandato de segurança para a Câmara interromper uma tramitação de matéria
constitucional, estão fazendo uso político desses fatos. Vamos a eles:
1. A emenda
tramita desde 2011. Foi proposta pelo deputado Nazareno Fontelenes (PT-PI) em
25 de maio do ano passado e encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça em
06 de junho. O relator da matéria é o deputado João Campos (PSDB-GO) – um
parlamentar da oposição. Não existe hipótese de a emenda ter sido uma armação de
parlamentares governistas como uma retaliação ao Supremo, que condenou dois
deputados que integram a CCJ e, na última semana, suspendeu a tramitação de um
projeto que limita a criação de partidos no Senado. Deixando claro: os
parlamentares da CCJ não tiraram uma emenda da cartola para aborrecer o STF
nesse período em que se constrói um clima de conflito permanente entre
Congresso e STF para validar decisões questionáveis daquela corte em assuntos
de competência exclusiva do Legislativo – como a liminar dada pelo ministro
Gilmar Mendes a uma ação do PSB, suspendendo a tramitação de uma lei no Senado,
também na quarta-feira.
2.
Aliás, o fato de José Genoíno (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP) terem se
tornado personagens dessa história comprova o uso político desse episódio. No
ano passado, quando a emenda foi apresentada, Genoino sequer tinha mandato
parlamentar. Ele e Cunha apenas a votaram, como os demais integrantes da
Comissão: não pediram a palavra, não defenderam a aprovação, nada. Apenas votaram
a favor de um parecer de um parlamentar da oposição.
3. A PEC
estava na agenda de votação da CCJ desde o início dos trabalhos legislativos,
em fevereiro deste ano. Não foi agendada numa semana de conflito entre
Congresso e Supremo para retaliar o Poder Judiciário simplesmente porque
esperava a votação desde fevereiro.
4. A votação
de admissibilidade de uma proposta de emenda constitucional, ou mesmo de lei,
pela CCJ, não é uma apreciação de mérito. Quando o plenário da CCJ vota a favor
da admissibilidade, não quer dizer que a maioria da Comissão concordou que essa
emenda deve se tornar uma norma constitucional. Quando aprova a
admissibilidade, a CCJ está dizendo que aquela proposta cumpre os requisitos de
constitucionalidade para continuar a tramitação até chegar ao plenário da
Câmara – onde, aí sim, o mérito da proposta será analisado, em dois turnos,
para depois cumprir dois turnos no Senado. E apenas com três quintos do quórum
de cada casa. Isto é: o primeiro passo da tramitação da PEC 33 foi dado na quarta-feira.
Daí, dizer que o Congresso estava prestes a aprovar a proposta para retaliar o
STF só pode ser piada, ou manipulação da informação.
5. Ainda
assim, se uma Comissão Especial, lá na frente (se o STF não usar a força contra
o Congresso para sustar a tramitação da matéria), resolver aprovar o mérito, e
os plenários da Câmara e o Senado entenderem que é bom para a democracia
brasileira estabelecer um filtro parlamentar para as decisões de
inconstitucionalidade do STF, essa decisão apenas cumpriria preceitos
constitucionais (embora Constituição esteja numa fase de livre interpretação
pelos ministros da mais alta corte). Não precisa ser jurista para entender que
a proposta tem respaldo na Constituição. Foi com base em dois artigos da
Carta de 1988 que os parlamentares votaram pela admissibilidade da PEC. O
artigo 52, que fala da competência exclusiva do Senado Federal, diz, em seu
inciso X, que o Senado pode “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
No artigo 49, determina que é da competência do Congresso Nacional “zelar pela
preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos
outros Poderes”.
6. Diante
dessas evidências constitucionais e da história da tramitação da PEC na Câmara,
fica a pergunta: quem está ameaçando quem? É o Congresso que investiu contra o
STF, ou o contrário?
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PEC 33: jeitinho brasileiro do Congresso Nacional?
A PEC 33/2011, quase uma desconhecida até o dia 24 de abril
último, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos
Deputados a aprovou, resumidamente, determina que as decisões do STF sobre
controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos, dentre
outros pontos*, possam ser submetidas ao Congresso nacional, que se discordar
do Supremo, levará a questão a plebiscito. A proposta teve a assinatura de 219
deputados.
Dentre as tarefas da CCJ, a mais importante é analisar o aspecto
de constitucionalidade dos projetos de lei, bem como analisar a admissibilidade
de proposta de emenda à Constituição. Se o parecer aprovado por essa comissão
for pelo arquivamento, o projeto será extinto de imediato, o que a torna uma
das, se não a mais importante comissão da Câmara.
Infelizmente, a CCJ não tem trabalhado à altura de sua
responsabilidade: no ano de 2011, aprovou 100% dos projetos de lei. Quem
conhece um pouco da dinâmica do Congresso Nacional (CN), sabe da existência de
milhares de projetos de lei ou atos normativos sem pé nem cabeça. Bem o prova
não só o vídeo de aprovação simbólica dessa PEC, sem qualquer discussão, mas
também o fato de que, em relatório divulgado em 2012, das 77 leis federais e
estaduais analisadas pelo STF, no ano de 2011, nada menos que 83% foram
declaradas inconstitucionais. A triste conclusão é: o Legislativo não sabe
fazer leis.
A rivalidade do Congresso Nacional com o STF tem muitos
pomos de discórdia: decisão sobre interrupção de gravidez de fetos anencéfalos,
pesquisas com células tronco, demarcação de terras indígenas, união estável e
casamento civil homoafetivos, e, mais recentemente, a decisão de que os
mensaleiros condenados perderão automaticamente seus mandatos quando a decisão
se tornar irrecorrível.
É bem verdade que, em alguns casos, o STF exagera,
entretanto, incorporar essa proposta ao texto constitucional significa fulminar
de morte, de uma só tacada, proibição de deliberar propostas de emendas que
tendam a abolir a separação de poderes (art. 60, § 4º, inciso III, da
Constituição de 1988) — se bem que essa PEC não tende a abolir tal separação,
ela é a própria abolição desse sistema –, e o principal papel da Corte
Constitucional: dizer, em última instância, o que é a nossa Constituição.
E, com isso, assassina-se também o papel contramajoritário dessa Corte, ou
seja, de atuar na proteção das minorias contra imposições discriminatórias e
descabidas das maiorias, sobretudo as parlamentares. É a democracia que morre
com a aprovação dessa proposta.
Do ponto de vista da rotina de trabalhos do CN, apenas
lembro do Mensalão, do kit gay” (na verdade, o kit anti-homofobia), em que,
para barrar sua liberação, a jogada política da bancada evangélica (a mais
processada, ausente e inexpressiva, que também apoia a PEC em discussão, e é
autora de um projeto (inconstitucional) para suspender decisões do STF) foi
ameaçar chamar o ministro Palocci para explicar seu aumento patrimonial
meteórico, o autoaumento dos próprios “salários” em 2010 no apagar das luzes, a
oficialização pela Câmara de não trabalhar às segundas e sexta-feiras, enfim,
dentre tantos outros exemplos de práticas políticas nada republicanas, fatos
que, infelizmente, demonstram que, na maioria dos casos, o Parlamento não honra
o sublime papel de, na qualidade de representantes eleitos democraticamente,
trabalhar pelo povo, para o povo e com o povo.
Diante desse quadro, a ideia de colocar nas mãos do CN a
última palavra sobre o que é ou não constitucional, como se o fato de serem
eleitos pelo povo por si só os legitimasse de forma absoluta, causa arrepios
porque revive a triste lembrança do art. 96, parágrafo único, da Constituição
de 1937, em plena ditadura varguista, que dava ao Presidente da República o
poder de mandar uma lei declarada inconstitucional novamente ao exame do
Parlamento quando a entendesse como “necessária ao bem-estar do povo, à
promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta”.
A verdade é que o arroubo dessa PEC e outros projetos
semelhantes revela o fato de que, na falta de um CN que saiba fazer leis, só
podemos contar com um STF para extirpar as peripécias legislativas que desafiam
a Constituição. Então, poderíamos concluir que PEC é o jeitinho brasileiro que
o CN encontrou para esconder que não tem trabalhado direito?
Em um país em que a tão necessária reforma política é
adiada eternamente, um texto memorável do jurista Luís Roberto Barroso nos
relembra o que realmente é nosso problema hoje:
(…) o Judiciário se expande, sobretudo, nas situações em
que o Legislativo não pode, não quer ou não consegue atuar. Aqui se chega ao
ponto crucial: o problema brasileiro atual não é excesso de judicialização, mas
escassez de boa política. Nesse cenário, imaginar que a solução esteja em
restringir o papel do Judiciário é assustar-se com a assombração errada. O que
o país precisa é restaurar a dignidade da política, superando o descrédito da
sociedade civil, particularmente em relação ao Legislativo (Grifou-se)
Felizmente, nem tudo está perdido. Após alguns deputados se
manifestarem contra a PEC, a pressão da opinião pública, crítica de ministros
do STF, o governo federal ter se manifestado contrário (embora a esmagadora
maioria dos assinantes da proposta seja do PT ou da base aliada do governo),
logo no dia 25 de abril o PSDB impetrou mandado de segurança no STF para
suspender a tramitação dessa PEC, o presidente da Câmara suspendeu a tramitação
da proposta até segunda ordem.
Vitória parcial. A PEC 33/2011 tem longo caminho a
percorrer para ser aprovada, o que, claro, deve ser evitado a todo custo. Só a
mobilização popular para sepultar tão infeliz proposta logo agora no início.
Em 2013, a nossa Constituição completa 25 anos de vida, 25
anos de normalidade democrática, fato raro na nossa longa história de regimes
autoritários. Contudo a aprovação dessa PEC na CCJ mostra que, não raro,
há muitos que ainda flertam com regimes que desprezam os direitos fundamentais.
Cabe a nós brasileiros e brasileiras cidadãos e cidadãs estarmos alertas para
não cantarmos, funebremente, “eu vejo o futuro repetir o passado”.
__________________________
Prevê, também, alteração da quantidade mínima de votos de
membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis para 2/5,
o que, na prática, inviabiliza os trabalhos da Corte, como alerta o ministro
Marco Aurélio: “Hoje, para se declarar constitucionalidade ou
inconstitucionalidade, nós precisamos ter seis integrantes. Veio, por exemplo,
a questão da modulação [quando os magistrados determinam como a decisão vai ser
aplicada]. O legislador ordinário previu um quórum de oito votos. Aí, teríamos
nove, quem sabe a utopia, a unanimidade.” E, ainda, condiciona o efeito de
súmulas vinculantes à aprovação do Congresso nacional.
Autor: Thiago Viana (Conselho Jurídico da
LiHS)
Fonte: Comendo o Fruto Proibido
------------------------------
A paz do fim
de semana
Por Luciano Martins Costa em 27/04/2013
na edição 743
Comentário
para o programa radiofônico do Observatório,
26/4/2013
Em meio ao tiroteio entre
representantes do Judiciário e do Congresso Nacional, alguns sinais de que a
crise entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal pode ser amenizada nos
próximos dias por pura inércia. Na curiosa agenda da imprensa brasileira, os
fins de semana são propícios a certo esvaziamento de tensões, talvez porque os
jornais não têm jornalistas em número suficiente para manter plantões mais
reforçados. Assim, as declarações da sexta-feira costumam dar o tom geral até a
terça-feira seguinte, quando os repórteres colhem novas declarações e
realimentam o velho teatro de opiniões mutantes.
Curiosamente,
é o Poder Executivo que sobe ao palco para desarmar os espíritos, embora os
jornais ainda apostem no agravamento das controvérsias. O Globo é o mais explícito, ao anunciar em manchete: “Confronto entre STF
e Congresso se agrava”. Ainda mais curioso é o fato de que os jornais tomam
partido em favor da Suprema Corte com muito mais empenho do que as entidades
corporativas da magistratura, que mantêm discreto distanciamento dos embates.
Esses movimentos indicam que a crise
pode se desvanecer como num passe de mágica, sem que nenhuma das partes tome
qualquer iniciativa – ou talvez por isso mesmo, apenas por inanição, ou seja,
por falta de declarações a serem colhidas e amplificadas pela imprensa.
Um final assim anódino seria um
sintoma ainda mais grave do processo de deterioração das instituições
republicanas, submetidas ao jogo de conveniências de interesses muito
particulares.
Se os protagonistas do mais recente
bate-boca na imprensa tomassem realmente a sério o que dizem ou fazem, levariam
às últimas consequências seus atos: o Congresso aprovaria a proposta de
controle do STF pelo Legislativo e a Corte Suprema definiria a legislação sobre
a criação de novos partidos. Quem sabe, dessa inversão de papéis poderia surgir
o embrião de algumas reformas muito reclamadas pela sociedade.
Mas não há hipótese de isso vir a
acontecer: não há, no Judiciário ou no Legislativo, líderes capazes de
transformar uma crise em oportunidade de mudança, e a presidente da República
tem sua cota de problemas a resolver. Os dirigentes do Senado e da Câmara
tiveram suas reputações manchadas ainda antes de tomarem posse, e o presidente
do Supremo Tribunal Federal, em duas cenas de destempero, jogou fora o
patrimônio que lhe foi emprestado pela imprensa no julgamento da Ação Penal
470.
E o brasileiro?
Segundo uma pesquisada
Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, o brasileiro
prefere “dar um jeitinho” sempre que pode, em vez de cumprir as regras. Esse
pode ser o sintoma mais claro de que o cidadão não confia nas instituições, a
começar do Judiciário, aquele poder que deveria assegurar o cumprimento das
normas da vida civil.
Se as regras não são respeitadas,
muito menos quem as faz: o Brasil tem uma estrutura partidária cuja
representatividade se deteriora a cada período eleitoral, por conta de alianças
que atendem essencialmente aos interesses dos grupos que dominam as
agremiações. Esse jogo vicioso acaba por afetar também o poder Executivo.
Curiosamente,
o melhor texto disponível na imprensa por estes dias, a respeito da origem da
atual crise institucional, não foi produzido por nenhum dos diários genéricos
de circulação nacional, mas pelo Valor Econômico, o principal jornal brasileiro
especializado em economia e negócios. Sob o título “A arenga no poder”, a
autora observa que “se a lei eleitoral é ruim, a intervenção judicial é pior”,
lembrando que o desequilíbrio nas relações partidárias foi criado por uma
intervenção do Tribunal Superior Eleitoral, em 2002, quando decidiu que as
coligações entre partidos deveriam ser verticalizadas: uma coligação no plano
federal deveria se reproduzir nas disputas estaduais.
Na ocasião, a norma favorecia o grupo
do governo, liderado pelo PSDB, e prejudicava a candidatura do petista Lula da
Silva. Mas, apesar de não contar oficialmente com uma grande máquina
eleitoral, Lula venceu e depois teve que fazer concessões para formar uma
aliança que lhe permitisse governar.
Essa
análise apresentada pelo Valor permite ao leitor entender como
uma intervenção do Judiciário criou a circunstância que, mais tarde, iria levar
à Ação Penal 470. A regra da verticalização não sobreviveu à realidade e acabou
contribuindo para confundir o eleitorado, que não entende por que razão velhos
inimigos acabam dividindo palanques.
Tais formulações contribuem para
reduzir a confiança do cidadão no sistema político-partidário e desmoralizam a
democracia. Mas a imprensa hegemônica não parece especialmente preocupada com
esse risco.
A paz do fim de semana
Por Luciano Martins Costa em 27/04/2013
na edição 743
Comentário
para o programa radiofônico do Observatório,
26/4/2013
Em meio ao tiroteio entre
representantes do Judiciário e do Congresso Nacional, alguns sinais de que a
crise entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal pode ser amenizada nos
próximos dias por pura inércia. Na curiosa agenda da imprensa brasileira, os
fins de semana são propícios a certo esvaziamento de tensões, talvez porque os
jornais não têm jornalistas em número suficiente para manter plantões mais
reforçados. Assim, as declarações da sexta-feira costumam dar o tom geral até a
terça-feira seguinte, quando os repórteres colhem novas declarações e
realimentam o velho teatro de opiniões mutantes.
Curiosamente,
é o Poder Executivo que sobe ao palco para desarmar os espíritos, embora os
jornais ainda apostem no agravamento das controvérsias. O Globo é o mais explícito, ao anunciar em manchete: “Confronto entre STF
e Congresso se agrava”. Ainda mais curioso é o fato de que os jornais tomam
partido em favor da Suprema Corte com muito mais empenho do que as entidades
corporativas da magistratura, que mantêm discreto distanciamento dos embates.
Esses movimentos indicam que a crise
pode se desvanecer como num passe de mágica, sem que nenhuma das partes tome
qualquer iniciativa – ou talvez por isso mesmo, apenas por inanição, ou seja,
por falta de declarações a serem colhidas e amplificadas pela imprensa.
Um final assim anódino seria um
sintoma ainda mais grave do processo de deterioração das instituições
republicanas, submetidas ao jogo de conveniências de interesses muito
particulares.
Se os protagonistas do mais recente
bate-boca na imprensa tomassem realmente a sério o que dizem ou fazem, levariam
às últimas consequências seus atos: o Congresso aprovaria a proposta de
controle do STF pelo Legislativo e a Corte Suprema definiria a legislação sobre
a criação de novos partidos. Quem sabe, dessa inversão de papéis poderia surgir
o embrião de algumas reformas muito reclamadas pela sociedade.
Mas não há hipótese de isso vir a
acontecer: não há, no Judiciário ou no Legislativo, líderes capazes de
transformar uma crise em oportunidade de mudança, e a presidente da República
tem sua cota de problemas a resolver. Os dirigentes do Senado e da Câmara
tiveram suas reputações manchadas ainda antes de tomarem posse, e o presidente
do Supremo Tribunal Federal, em duas cenas de destempero, jogou fora o
patrimônio que lhe foi emprestado pela imprensa no julgamento da Ação Penal
470.
E o brasileiro?
Segundo uma pesquisada
Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, o brasileiro
prefere “dar um jeitinho” sempre que pode, em vez de cumprir as regras. Esse
pode ser o sintoma mais claro de que o cidadão não confia nas instituições, a
começar do Judiciário, aquele poder que deveria assegurar o cumprimento das
normas da vida civil.
Se as regras não são respeitadas,
muito menos quem as faz: o Brasil tem uma estrutura partidária cuja
representatividade se deteriora a cada período eleitoral, por conta de alianças
que atendem essencialmente aos interesses dos grupos que dominam as
agremiações. Esse jogo vicioso acaba por afetar também o poder Executivo.
Curiosamente,
o melhor texto disponível na imprensa por estes dias, a respeito da origem da
atual crise institucional, não foi produzido por nenhum dos diários genéricos
de circulação nacional, mas pelo Valor Econômico, o principal jornal brasileiro
especializado em economia e negócios. Sob o título “A arenga no poder”, a
autora observa que “se a lei eleitoral é ruim, a intervenção judicial é pior”,
lembrando que o desequilíbrio nas relações partidárias foi criado por uma
intervenção do Tribunal Superior Eleitoral, em 2002, quando decidiu que as
coligações entre partidos deveriam ser verticalizadas: uma coligação no plano
federal deveria se reproduzir nas disputas estaduais.
Na ocasião, a norma favorecia o grupo
do governo, liderado pelo PSDB, e prejudicava a candidatura do petista Lula da
Silva. Mas, apesar de não contar oficialmente com uma grande máquina
eleitoral, Lula venceu e depois teve que fazer concessões para formar uma
aliança que lhe permitisse governar.
Essa
análise apresentada pelo Valor permite ao leitor entender como
uma intervenção do Judiciário criou a circunstância que, mais tarde, iria levar
à Ação Penal 470. A regra da verticalização não sobreviveu à realidade e acabou
contribuindo para confundir o eleitorado, que não entende por que razão velhos
inimigos acabam dividindo palanques.
Tais formulações contribuem para
reduzir a confiança do cidadão no sistema político-partidário e desmoralizam a
democracia. Mas a imprensa hegemônica não parece especialmente preocupada com
esse risco.