O título pode assustar
os incautos, que devem se perguntar “como assim? Aquele ‘maconheiro’ do PV?”
Antes de julgamentos rasos e preconceituosos, eu peço encarecidamente que
acompanhem minha longa reflexão, pois o papel exercido no debate dos
presidenciáveis na Band pelo grande Eduardo Jorge não deve ser menosprezado
numa eleição em que se impôs o debate não apenas de candidatos, mas do nosso
próprio sistema político atual.
(Se quiser ver o debate na íntegra, os links tão no site da Band.)
Há um problema muito
sério na maneira como as pessoas enxergam a escolha de um presidenciável. Por
conta do modelo engessado de nossa política – que é, na verdade, consequência
de um modo de pensar dicotômico que ainda fundamenta nossa visão de mundo, mas
não vou me aprofundar nisso aqui porque o texto já vai ser demasiadamente longo
–, as pessoas tendem a ver o espectro político numa relação sempre binária: há
a esquerda e a direita, a situação e a oposição, o bem e o mal. Nesse sentido,
o esgotamento do modelo político representativo levou a ao menos dois modos de
escolha de candidatos muito temerários, que eu descreverei antes de entrar no
tema principal da minha argumentação.
O primeiro é o chamado
“voto de protesto”, que em resumo seria um voto que é dado como uma reação “a
tudo que está aí”, pensada a partir da total desolação com todo o sistema
político. Como muitas pessoas não tem coragem ou não veem eficácia em sair às
ruas para cobrar um novo sistema político, elas elegem o Tiririca como uma
bandeira de protesto. E eleger o Tiririca é um tipo de vandalismo muito mais
grave que o praticado por adeptos do tão criticado black bloc. Isso porque,
independente de sua atuação no congresso ter sido mais significativa que a de
muito político tradicional, Tiririca usa de uma tática desonesta, que é
justamente ganhar a simpatia da massa descontente e alienada pelo humor,
ocupando com suas piadas mais tempo do horário político que um candidato sério
ao executivo – mesmo que sejam ótimas piadas.
O segundo é o que eu
chamaria de “voto de encruzilhada”, que é basicamente a incapacidade do eleitor
de pensar fora do espectro dos principais candidatos que lideram as pesquisas. E,
nisso, surge a chamada ‘terceira via’, que é qualquer um que se proponha como
uma alternativa “a tudo que está aí”, mesmo que essa alternativa não tenha em
si nenhuma substância ou clareza. É um dos (dois) motivos que explicam a
ascensão de Marina Silva. Com um discurso sá-carneiriano, ela se coloca como
“nem um, nem outro”, ou seja, “qualquer coisa de intermédio”. E, nesse sentido,
ela é o símbolo maior dessa encruzilhada: se eu não voto num, voto noutro, se
não voto noutro, voto num... Se não voto em nenhum dos dois, ou anulo, ou
escolho o menos pior. Daí ela preenche esse espaço do meio com um discurso
qualquer e conquista votos dos descontentes dos dois lados, como se realmente
houvesse apenas dois lados. Temos 11, ONZE candidatos à presidência, mas a
única opção é selecionar dentre os três cabeças.
Aí você coloca: mas os
outros não têm chance de ganhar! É daí que surge uma consequência direta da
“encruzilhada” e, ademais, da síndrome de vira-lata do brasileiro: nós não
sabemos perder. Pra mim parece lógico que, se todos os descontentes com a
política atual votassem num candidato que representa realmente uma mudança ao
invés de escolherem o ‘menos pior’, esse candidato teria muitas chances. Como
todo mundo assume o discurso de ‘o candidato nanico não tem chances’, ninguém
dá chance pra ele. É como, por exemplo, se eu decidisse que não vou prestar
vestibular para medicina – mesmo meu sonho sendo ser médico – porque a relação
de candidatos/vaga é alta, eu não tenho chances, não quero passar anos fazendo
cursinho. Daí, vou lá e presto algo que não quero, só pra garantir que eu
entrarei num curso superior, e passo a ter que enfrentar uma vida de frustração
com minhas decisões. Só porque eu não quis perder.
Acho que o que gera o
segundo tipo de voto, em grande escala, são as pesquisas eleitorais. As pesquisas
de opinião realizadas pelos principais institutos de pesquisa, todos controlados
por barões da mídia que tem interesse direto nas eleições, são em geral
questionáveis em diversos pontos. Um exemplo claro disso foi a atitude
irresponsável, pra dizer o mínimo, do Datafolha de encomendar uma pesquisa de
intenção de voto para presidência um dia depois do acidente que vitimou Eduardo
Campos, quando os corpos ainda não haviam sido retirados do local do acidente.
Além de ser algo no mínimo macabro, revela como age uma agência de pesquisa
para enviesar o debate político: na semana seguinte à divulgação da pesquisa
Marina Silva surgia como a principal adversária de Dilma mesmo sem nem ter-se
confirmada sua candidatura. E, claro, ela se tornou a principal personagem de
todas as capas da versão online do jornal.
Há, nisso, a divisão
entre três grupos de candidatos: os cabeças das eleições, dos maiores partidos
e seus aliados, os medíocres e os nanicos. Do primeiro grupo, fazem parte Aécio
e Dilma e, com a morte de Eduardo, Marina. E não nos enganemos: Eduardo fazia
parte dos medíocres, visto que sua intenção de voto não passava de 10%, e não podemos
pensar que ele era o grande adversário que ele aparenta ser agora morto. Ele
estava lá no meio disputando com o Pastor Everaldo, e era esse o seu lugar.
Abaixo do representante da direita religiosa conservadora, um mundo de
espectros políticos diversos classificados como nanicos, que iguala coisas
gigantescamente diferentes quanto PCO e PRTB.
E nesse último limbo
está aquele que foi o verdadeiro vencedor do primeiro debate dos
presidenciáveis da Band: Eduardo Jorge, do PV.
Eu já conhecia de nome
e fama Eduardo Jorge, um dos lendários fundadores do PT, mas não havia ainda
tido chance de vê-lo em ação. Copiando um resumo histórico de sua trajetória do Pragmatismo Político: "Médico sanitarista, Eduardo Jorge nasceu em Salvador e foi filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) até 2003, quando saiu por divergências com a direção partidária e passou a integrar o PV. Na PT, Eduardo Jorge foi deputado federal e estadual por São Paulo, além de secretário dos governos de Luiza Erundina (1989-1990) e Marta Suplicy (2001-2002). Já no PV, foi secretário de Meio Ambiente das gestões de José Serra e Gilberto Kassab. Na época de estudante de medicina na Paraíba, Eduardo Jorge militou no movimento estudantil contra a Ditadura Militar, fazendo parte do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Ele foi enquadrado duas vezes na Lei de Segurança Nacional daquela época sob acusação de ser subversivo."
https://twitter.com/ba97fm/status/504441788850241537/photo/1 |
Antes, porém, de comentar sua grande atuação, é
necessário destacar que esse PV não é, ao menos em teoria, o mesmo PV que
lançou Marina Silva como terceira opção à presidência. Em março o PV lançou,
antes de todos os outros partidos, sua plataforma de governo para essa eleição,
um dos documentos mais ousados e inovadores dentro do marasmo político que toma
conta do país. Não concordo com todos os pontos, mas é inegável que nele se
encontram propostas realmente inovadoras, a maioria derivada ou das diretrizes
do PV internacional, ou de uma reação real às jornadas de junho de 2013.
De fato, apesar de
Dilma falar insistentemente sobre as cinco metas que seu governo traçou a
partir das demandas dos protestos, apesar de Marina apresentar sua terceira via
como uma resposta aos protestos – e assim, em meio à militantes e Mídia Ninja,
reforçou a sua REDE Sustentabilidade, antes de se afiliar ao PSB –, apesar de a
oposição insistir que os protestos eram tão somente uma resposta à “corrupção
do PT”, poucos partidos tem como advogar uma participação e/ou uma reação real
aos protestos. Quem estava lá eram os de sempre, PSTU, PCO, PSOL e, em menor
escala, PT. Porém, o PV parece ter aprendido com essas jornadas que o que o
povo quer não é apenas a queda dos atuais políticos, mas recuperar a confiança
na política, com uma mudança realmente drástica. O PV, por exemplo, é o único a
propor um novo sistema político, o Parlamentarismo, algo que é muito mais
concreto que a vacuidade da terceira via do PSB.
http://hashtag.blogfolha.uol.com.br/2014/08/27/ate-debate-eleitoral-vira-meme-veja-as-melhores-imagens/ |
Por isso, ao ver o
debate da Band, eu estava atento não apenas ao trio protagonista das pesquisas,
mas às falas de dois candidatos: Luciana Genro, do PSOL, e Eduardo Jorge. Luciana
porque me agrada a plataforma e os atuais parlamentares do PSOL, como Jean
Wyllys e Ivan Valente. Os candidatos do PSOL são em geral os únicos a tocarem
em temas como o casamento de pessoas do mesmo sexo, direitos LGBT, a crise na
educação, especialmente a Universidade Pública Paulista, o financiamento de
campanha, o fisiologismo, etc. Um bom exemplo de como se porta o PSOL é como se
inicia a pergunta que Luciana dirige no debate ao Pastor Everaldo,
questionando, pela recusa à utilização da alcunha “Pastor” para se referir a
ele, a relação entre a religião e o estado que as pautas do PSC representam.
Por mais que simule uma candidatura laica, ao assumir em seu nome eleitoral a
alcunha “Pastor”, Everaldo situa claramente qual o pressuposto pelo qual deverá
ser encarada sua candidatura. Luciana, acertadamente, associa o discurso do PSC
em defesa da “família tradicional” à temática da violência e preconceito contra
os LGBT, o que já a coloca na liderança em relação aos pragmáticos Dilma e
Aécio, que trocaram acusações e mantiveram o debate dentro da polarização
PT/PSDB – e geraram um cômico momento de #xatiação da candidata do PSOL.
Marina, em compensação,
apanhou até de Levy Fidélix, o homem do aerotrem, em sua encarnação a la senhor Spacely dos Jetsons. Frágil,
a candidata do PSB cometeu uma gigantesca gafe na tentativa de responder Levy,
ao comparar sua assessora Neca, ligada ao banco Itaú, chamando-a de educadora,
com Chico Mendes, líder ambientalista morto em 1988 e símbolo de um
confrontamento contra aqueles que exploram trabalhadores. Ela, ingênua, o
chamou de elite, e o pôs lado a lado com todos aqueles que simbolizam tudo
aquilo contra o que Mendes lutou. Uma ofensa, para dizer o mínimo, que
demonstra que Marina pode ser a ambientalista dos sonhos dos ruralistas.
http://www.purebreak.com.br/midia/foto-levy-fidelix-e-sr-spacely-separados-38313.html |
Com uma Marina Silva
frágil e de discurso vazio, seria a chance de Aécio recuperar o terreno perdido
nas pesquisas se colocando como real opção à Dilma. Mas, sinceramente, eu
entendo perfeitamente se o eleitor do PSDB decidir votar em Marina ou até nulo
ao invés do candidato de seu partido. Aécio é péssimo, péssimo. Todos seus
argumentos era derrubados com uma facilidade vergonhosa, e imagino que Serra
rejubilava-se na plateia em ver a falta que ele faz num debate como esse. Aécio
fala de número de Minas que dão uma ideia ilusória do que realmente acontece
por lá – pergunte a qualquer mineiro porque o candidato de Aécio não vai se
reeleger. O maior exemplo da falta de habilidade do candidato foi o momento em que
Dilma utiliza a crítica de Aécio à administração confusa que o governo faz da
Petrobras para atacar o projeto privatista do PSDB – a Petrobrax – e o caso do
naufrágio da plataforma p36, ocorrido no governo FHC sobre o qual paira uma
nuvem de mistério, como vários outros casos daquele governo. Aécio achou estar
pegando Dilma na curva, mas apenas levantou a bola para ela cortar – culpa da
incapacidade gritante do PSDB em fazer oposição. A real oposição no governo do
PT estava melhor representado em Bóris Casoy e cia – a mídia, como sempre – que
no neto do seu Tancredo. Resta a ele se conformar com o terceiro lugar...
E é inegável que Dilma
parecia muito mais confiante e preparada nesse debate que nas entrevistas que
deu anteriormente. A presidenta não fala bem, e isso fica evidente em várias gafes
e confusões que se acumulam em vídeos na internet e comentários de analistas.
Nesse debate, porém, Dilma se valeu de vários dados, alguns contestáveis, para
defender não apenas as ações do seu governo – ela é o principal alvo, afinal de
contas – mas seus projetos, e se saiu muito bem. É sempre o mesmo discurso da
continuidade, e na embalagem da “gerentona”, ainda mais burocrática que de
costume. É tedioso ver Dilma falar, mas é inegável que ela está preparada para
o confronto, seja com Aécio ou Marina.
Mas, caso queiramos
comparar todos os candidatos apenas pelo seu desempenho no debate, temos que
pensar os candidatos de maneira isonômica, como se todos tivessem a mesma
porcentagem nas pesquisas. Assim, chegaremos à conclusão que o melhor de todos
ali foi mesmo Eduardo Jorge.
Não demorou para que
memes surgissem por toda a internet satirizando gestos e frases jocosas do
descontraído Jorge. Isso pode ter dado uma ideia errada sobre o que ele dizia,
que de alguma forma ele não seria um candidato sério. Chegaram a sugerir que
ele estaria drogado. Claro, porque é muito fácil acusar um membro do Partido
Verde, vegetariano e defensor da liberação das drogas, de estar drogado.
Na verdade, ele foi o
melhor pois não fugiu da raia. Seu humor foi uma arma muito bem utilizada para
ironizar não apenas seus adversários, mas seus entrevistadores – como quando
respondeu com um curtíssimo “Eu concordo com a Dilma” a uma pergunta enviesada
do “amigo dos garis” Bóris Casoy. Na maioria dos confrontos diretos, ele não
apenas deixou claros os pontos do PV, com coerência e clareza, como conquistou
o espectador com sua simpatia. E não por acaso uma das piadinhas foi que ele
estava a encarnar o espírito do saudoso Plínio de Arruda Sampaio, quando no
debate de 2010 simplesmente humilhou os outros candidatos com sua inteligência,
retórica e, claro, bom humor.
Ele também lembrou outra grande figura: o presidente
do Uruguai, Mujica, outro homem que equilibra firmeza e ousadia com
simplicidade e bom humor. Mas essa postura vinha carregada de uma inteligência
e conhecimento ímpares, que nenhum candidato ali expôs com maior elegância que
ele quando falou sobre sua postura “paz e amor”:
“A Luciana
não gosta de paz e amor, mas eu gosto. Paz e amor não quer dizer covardia. Não
quer dizer falta de capacidade de enfrentar o debate. Paz e amor são ideias de
gente como Gandhi, Leon Tolstoi e John Lennon. Nós podemos sim. E o PV é o
partido revolucionário em vários aspectos. Queremos a revolução com democracia,
repudiando qualquer forma de autoritarismo de esquerda e de direita. Com uma
cultura de paz transformando a cultura de guerra, que fez o século XX ser o
século da destruição.”
Não quero dizer que
saímos do debate votando em Eduardo Jorge, pois o plano de governo do PV tem
pontos a serem questionados e, de fato, não dá pra saber como seria a
governabilidade, esse mal necessário, num governo do PV. Mas torço para que o
eleitor perceba que ele não está selecionando entre três candidatos apenas, mas
entre uma gama diversa e interessante, que não se restringe ao universo da
política tradicional. A novidade, enfim, não vem do PSB...
http://hashtag.blogfolha.uol.com.br/2014/08/27/ate-debate-eleitoral-vira-meme-veja-as-melhores-imagens/ |
PS: Muitos outros
concordam comigo, como o Sakamoto, o Kiko Nogueira e o site Pragmatismo Político. Se querem saber mais do Eduardo Jorge, assistam
a entrevista dele no site G1. Com mais tempo pra expor suas ideias, ele prova
porque é uma das melhores opções nessa eleição.