1 - A polarização
A candidata Marina Silva (PSB) e o candidato Aécio Neves (PSDB), durante o debate dos presidenciáveis promovido pelo Grupo Bandeirantes, em 26/08/2014 - Ivan Pacheco/VEJA.com |
Não sei se por ingenuidade ou por uma aposta "equivocada", o fato é que o discurso contra polarização da candidata a presidência Marina Silva não colou. Aliás, diga-se de passagem, não colava desde que o finado Eduardo Campos insistia em ser a tal "terceira via", achando que política é budismo de madame. Não, não é, e por isso a suposta força desse discurso se esvaiu assim que o cadáver do Eduardo esfriou - apesar de TODOS os partidos terem mantido ele quente tempo o bastante pra ganharem votos. O resumo da ópera é que a tentativa que muitos setores, especialmente aqueles mais conservadores que insistiram no fim da dicotomia esquerda e direita, tem que engolir o fato inegável que o posicionamento ideológico é importantíssimo ainda na discussão política.
O problema é que a divisão ideológica se rasteirizou no discurso da maioria dos partidos. Mais importante que "esquerda x direita", a coisa já havia bandeado para "PT x Anti-PT" há algum tempo, algo que suponho ser mais ou menos o que a Marina e o Campos tentavam denunciar, mas com um discurso tão vazio que não conseguiram convencer ninguém. Porém, se do ponto de vista de sua atuação efetiva, PSDB e PT pouco diferem em seu pragmatismo, essa "polarização" existia ainda no sentido da adesão a programas mais alinhados a um ou a outro lado, com os críticos a "Mais Médicos" e "Bolsa Família" bandeando sempre pro lado do PSDB, e os críticos da meritocracia pro lado do PT. Porém, como resumi em uma postagem no Facebook, a coisa foi distorcida de tal modo que agora ela funciona mais ou menos assim: o PSDBista (que, na verdade, é Anti-Petista) critica o Bolsa Família porque sustenta vagabundo, "tem que ensinar a pescar", etc, etc. Mas, como o Bolsa Família dá muito voto pro PT, o Aécio decide que vai ampliar o Bolsa Família, porque precisa vencer o PT junto aos mais pobres, que usufruem disso e claramente temem pelo fim do programa - pelo menos é a análise também superficial que os "intelectuais" do PSDB devem fazer. O problema que desafia a lógica é que o cara que vota no Aécio não desiste de votar nele e anula seu voto pelo fato do partido assumir para si um projeto do PT. Isso ocorre porque, no fundo, o problema não é o Bolsa Família, é o PT em si. Ou seja, o problema é ideológico e a argumentação é vazia.
Em suma, o que cada lado quer é manter o outro longe, porque o outro é, digamos, o outro... é um problema de convivência com a alteridade que se evidencia muito quando acompanhamos os ataques a nordestinos que teriam eleito Dilma.
Claro que isso ocorre dos dois lados: pra muito petista, quem vota na Dilma é só a elite, o que com certeza é uma das posturas equivocadas responsáveis pelo fracasso eterno do PT em São Paulo. Muitos petistas ainda não assumem que o pobre paulistano vota em patrão, como dizia o velho lema do PSTU. Mas, apesar de o fenômeno ser amplo, com certeza é algo mais exacerbado no tal "anti-petismo". É o chamado voto de "pertencimento", que descrevi em outra postagem de uma amiga no facebook como uma explicação para a expressiva votação em Alckimin em São Paulo. Há, no estado, uma população reacionária que enxerga no Alckimin um ideal de "gestor", bem ao gosto dela e com um esteriótipo muito previsível: branco, pai de família, religioso, bem-sucedido, com uma formação que ainda dá muito status - médico -, e, principalmente, o grande anti-PT. Essas pessoas votam ou em alguém que representa a sua classe - lembram das socialites com Aécio? -, ou em quem eles querem ser, quem representa o ideal de ascensão. Enquanto isso, o Lula (nordestino, pobre e "analfabeto") e a Dilma (mulher, ex-militante/guerrilheira) representariam o atraso total, nutrido em grande parte por preconceitos históricos. Acho que isso explica, inclusive, porque o paulistano elegeu o Haddad, que mesmo sendo completamente diferente do Alckmin - e, aliás, surgindo como o quadro do PT com a melhor gestão disparado -, aparece com as mesmas características do governador, ou seja, traz em sua imagem o ideal do homem branco bem sucedido. Por isso, não importa o programa de governo, o que a pessoa fez e o que ela defende, importa a imagem dele e do partido. No fim, se o Levy Fidélix, mesmo com todo seu discurso homofóbico, fosse do PSDB, São Paulo o elegeria presidente.
Enfim a polarização existe, é importantíssima para o debate e não vai acabar - nem deve. O problema não é a polarização, é justamente o fato de que ela não representa realmente uma oposição entre diferentes, mas uma rasteirização do discurso para o nível mínimo de identificação que impede o eleitor de enxergar além das superficialidades e das imagens que os candidatos sustentam diante do eleitorado - o que, aliás, explica também a importância da publicidade. A crise de representatividade, se por um lado torna tudo muito igual ("todo político é ladrão"), por outro evidencia as diferenças que menos importam e que, muitas vezes, nem correspondem à verdade.
2 - A corrupção
Deputado Renan Filho é suspeito de usar dinheiro público para pagar advogados particulares. Dida Sampaio/9.mai.2012/AE |
Ademais da chuva de ataques que povoaram
o debate – em verdade, substituindo reais propostas de governo –, é possível
notar com certa clareza que a corrupção não é o tema capaz de mover os votos no
Brasil como se esperava. Apesar de o chamado mensalão estar na base do
crescimento do sentimento de ódio ao PT, ele não é capaz de se reproduzir
novamente com força de mudar eleições. O PSDB, seus amigos e todo o bloco de
anti-petistas tradicionais (encabeçados pela Veja) tentaram repetidas vezes colar
ao PT as várias denúncias concretas contra a Petrobrás, mas não conseguiram com
isso o impacto desejado. Da mesma forma, a exploração constante dos ainda pouco
investigados casos do Helicóptero dos Perrela, do chamado Trensalão e do
Aeroporto de Cláudio não conseguiu derrubar o poder de Aécio diante dos seus
eleitores tradicionais, que o levaram ao segundo turno com votação expressiva.
Saindo da esfera presidencial, podemos listar exemplos vários de como a
corrupção não garantiu a queda de quase ninguém. Seleciono alguns:
- se não tivesse sido impugnada a
candidatura, provavelmente o ex-governador Arruda teria sido eleito governador
do DF;
- com todo o caso dos metrôs ainda sem
explicação, dois dos envolvidos, Geraldo Alckmin e José Serra, ganharam um voto
de confiança do paulistano;
- o filho de Renan Calheiros – senador da base aliada, que não
foi cassado por aquela ação inútil contra ele, como eu já previa há tempos – é agora
governador do estado de Alagoas. Lá, também se reelegeu Collor;
- e, mesmo com a cassação da sua
candidatura pela Lei da Ficha Limpa, mesmo perseguido pela Interpol, Paulo
Maluf pode virar, mais uma vez, deputado.
Poderia listar outros vários casos mas, pra mim, o maior exemplo de como a
corrupção não importa para a maioria do eleitorado é justamente a expressiva votação de Dilma no Norte e Nordeste. Quando
pessoas mal intencionadas e alguns loucos defendem que o Bolsa Família é
“Compra de votos” e, com isso, atacam com preconceito os moradores desses
estados, eu fico enojado, mas entendo da onde vem essa lógica. Apesar de o
estado mais atendido pelo Bolsa Família ser o estado de São Paulo, é nessas
regiões Norte e Nordeste que esses programas representam o reconhecimento de uma
reviravolta real na vida das pessoas. Os votos massivos em Dilma são uma consequência
desse e dos outros programas de assistência aos mais necessitados, pois, para
uma região até então abandonada do país, com altíssimos índices de pobreza,
mortalidade infantil e outros problemas, é evidente que tais programas teriam
um impacto muito maior que em regiões com menos desigualdade social. Ou seja, o
eleitor dessas regiões sabe que, mesmo sendo algo muito sério, o grande
problema do Brasil não é a corrupção, mas a desigualdade.
O PT soube mais que qualquer partido assimilar
e utilizar esse discurso, na mesma medida em que não teve sucesso em encontrar
um discurso similar, que sirva como contrapartida para outros estados, como São
Paulo. No Nordeste, Lula deixou de ser um representante de um partido para
virar um messias, o Antônio Conselheiro do nosso século, que veio salvar um
povo historicamente marcado pelo sofrimento ocasionado pela opressão e pelo
abandono. O pensamento dessas pessoas é que Lula, ele também um nordestino, deu
uma chance que nunca ninguém dera ao povo de sua terra: quem não tinha dinheiro
e emprego durante a era anterior ao PT, agora, se não tem emprego, tem acesso a
dinheiro, comida e médicos. Esse messianismo de Lula junto aos eleitores do
Norte e Nordeste, por consequência dos programas sociais do PT, acaba por criar
uma “névoa” na frente de todos os problemas que o PT acumula em sua gestão,
especialmente a corrupção.
Afinal de contas: se sua qualidade de vida melhorou com um partido, em quem você vai votar?