Escrito tendo em mente um episódio de uma série americana, discos de black metal e a opressora campanha pela punição de criminosos com a morte, o texto a seguir contém opinões pessoais - mas as consequências dos atos das pessoas que servem aqui de exemplo são universais. Meu objetivo aqui nada mais é que a reflexão, nunca o doutrinamento filosófico ou político. Sou contra qualquer tipo de evangelização, religiosa ou não.
Ah, e um lembrete de última hora - há ligeiras menções ao episódio dessa semana do Lost. Para aqueles que temem por resvalar em leves spoilers, fica o alerta... mas acho que nada do que direi aqui é muito revelador. (agradeço ao Arthur Malaspina pela dica)
Ah, e um lembrete de última hora - há ligeiras menções ao episódio dessa semana do Lost. Para aqueles que temem por resvalar em leves spoilers, fica o alerta... mas acho que nada do que direi aqui é muito revelador. (agradeço ao Arthur Malaspina pela dica)
Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.
Isaías 14:12-14
Ontem o grupo de loucos fanáticos do qual faço parte teve diante dos olhos sérias revelações sobre o universo de uma das mais intrigantes peças de arte da modernidade.
Isto é, ontem foi exibido nos EUA Ab aeterno, o nono episódio da 6ª e última temporada de Lost.
Onde vislumbramos o passado de um homem imortal, passado que expõe as antagônicas figuras de Deus e do Diabo, em suas encarnações "Lostianas".
Não quero falar mais... quem quiser entender melhor o caso deve assitir essa magnífica narrativa.
Mas a questão me levou a outro ponto...
Boa parte do que se coloca nesse final eletrizante dessa série é a oposição mais fundamental que rege a humanidade.
O que é o bem, e o que é o mal?
Para muitas pessoas, lados opostos da mesma moeda.
Para a maioria dos ocidentais (e alguns orientais), Deus e Satã.
Mas quem é esse ser demoníaco que atende por diversas alcunhas?
Porque é tão intrigante, até fascinante?
O tentador, o sedutor...
Vésper.
Isto é, ontem foi exibido nos EUA Ab aeterno, o nono episódio da 6ª e última temporada de Lost.
Onde vislumbramos o passado de um homem imortal, passado que expõe as antagônicas figuras de Deus e do Diabo, em suas encarnações "Lostianas".
Não quero falar mais... quem quiser entender melhor o caso deve assitir essa magnífica narrativa.
Mas a questão me levou a outro ponto...
Boa parte do que se coloca nesse final eletrizante dessa série é a oposição mais fundamental que rege a humanidade.
O que é o bem, e o que é o mal?
Para muitas pessoas, lados opostos da mesma moeda.
Para a maioria dos ocidentais (e alguns orientais), Deus e Satã.
Mas quem é esse ser demoníaco que atende por diversas alcunhas?
Porque é tão intrigante, até fascinante?
O tentador, o sedutor...
Vésper.
Considerar as aproximações entre o gênio e a tradição místico-religiosa que
engendrou a figura complexa do Adversário é algo importante, sobretudo devido ao
fato de que o mito do grande oponente do Deus judaico-cristão – sobretudo cristão,
na relidade – não possui uma continuidade histórica unívoca. Embora seja uma idéia
bastante difundida atualmente vale lembrar que a religião dos hebreus, na base
mítica do judaísmo tardio e do cristianismo, não apresentava, a partir de seus textos
sagrados, a figura do Diabo tal como o conhecemos hoje. Na verdade, uma série de
elementos reconhecidos pelo cristianismo como pertencentes à esfera do Diabo não
o eram a princípio. A serpente do Éden, o Satã do livro de Jó, a Estrela da Manhã do
livro de Isaías, assim como a figura do Dragão de antigos mitos de confronto entre
Caos e Ordem ou deuses ctônios de povos inimigos, nada era a princípio parte de
um mito complexo e tardio (mas de evidente força) (PRADO, 2007).
engendrou a figura complexa do Adversário é algo importante, sobretudo devido ao
fato de que o mito do grande oponente do Deus judaico-cristão – sobretudo cristão,
na relidade – não possui uma continuidade histórica unívoca. Embora seja uma idéia
bastante difundida atualmente vale lembrar que a religião dos hebreus, na base
mítica do judaísmo tardio e do cristianismo, não apresentava, a partir de seus textos
sagrados, a figura do Diabo tal como o conhecemos hoje. Na verdade, uma série de
elementos reconhecidos pelo cristianismo como pertencentes à esfera do Diabo não
o eram a princípio. A serpente do Éden, o Satã do livro de Jó, a Estrela da Manhã do
livro de Isaías, assim como a figura do Dragão de antigos mitos de confronto entre
Caos e Ordem ou deuses ctônios de povos inimigos, nada era a princípio parte de
um mito complexo e tardio (mas de evidente força) (PRADO, 2007).
É interessante a experiência do ser humano, levando em conta essa reflexão, com a figura demoníaca.
O demônio faz parte da vida de todos, como Deus... o problema é que, como vivemos a mitologia cristã, não há em nosso mundo uma discussão séria sobre o papel do mal em nossas vidas.
E o diabo não é, por assim dizer, o mal.
Ele é o adversário. O contestador da ordem.
O revolucionário, por assim dizer.
Assim como ele aparece em Lost, como o inimigo de Jacob.
Assim como ele tenta e corrompe... mas também apresenta caminhos mais fáceis para o mesmo destino.
Eu conheço esse discurso não só da igreja aliás.
Há alguns anos, virei grande fã de Metal Extremo, e descobri no Black Metal pessoas criativas, habilidosas e excelentes músicos.
Nunca fui fã, admito. Mas hoje posso falar sobre algumas bandas que levam a bandeira do estilo com muita responsabilidade.
Mas há outra bandeira... e outro Black Metal...
O de Satanás.
Existem, é claro, dois Satanás aqui.
Um é apenas um personagem de narratvas de jovens músicos preocupados apenas com sua música, para quem Satanás é símbolo de rebeldia, como o foram as drogas e o sexo livre.
O outro, o símbolo do mal, é o patrono de uma seita surgida nos meandros da "sociedade metálica".
Aquela seita que queima igrejas, que mata.
De gente como Varg Vikernes... e Ghaal:
Mas, é claro, nada disso tem mesmo a ver com Satã.
Tem a ver com a estupidez humana...
A falta de noção dos limites entre o racional e o irracional.
E é quando ligo a tevê que me deparo com cenas que me fazem repensar ainda mais como o ser humano lida com o mal.
O caso de André Luiz dos Santos, empresário de 49 anos, é emblemático. Ele saiu de Ponte Nova (MG) para protestar, carregando uma cruz de madeira de aproximadamente 1,8m de altura pesando cerca de 30 kg. Em frente ao fórum, André se amarrou à cruz com cartazes pendurados e fotos de Isabella.
Para a maioria das pessoas, os Nardoni do afamado caso Isabella são não apenas culpados...
Para André, que afirmou que “Isso não tem relação com Cristo. Tem relação com a paz”, o que são os Nardoni senão uma encorporação terrena do que é o mal.
Para a maioria dos espectadores desse caso, para as milhares de pessoas que fazem vigília à porta do fórum, os Nardoni são o mal.
Não devem pagar com 30 anos de cadeia, devem morrer.
Como eram apedrejados os blasfemadores e as prostitutas em tempos antigos.
E ainda o são em alguns países onde quem manda é a "lei de Deus".
A maior parte da população espera dos seus líderes mais a lei de Deus que a dos homens.
A lei que pune com sangue, do olho por olho, do velho testamento.
Assim, o julgamento do caso Isabella acabou antes de começar.
Porque existe sim a chance deles serem inocentes.
Mas os Nardoni já são culpados. Nunca mais vão poder voltar à sociedade.
Mesmo julgados inocentes, serão penalizados por uma sociedade que não entende o mal.
Ou o bem.
Que julga os homens pelos mesmos motivos mesquinhos que julgava há séculos.
Que não tolera, não entende e se vinga.
E que prefere o conformismo de Deus ao questionamento do Diabo.
George Carlin rules!!
O demônio faz parte da vida de todos, como Deus... o problema é que, como vivemos a mitologia cristã, não há em nosso mundo uma discussão séria sobre o papel do mal em nossas vidas.
E o diabo não é, por assim dizer, o mal.
Ele é o adversário. O contestador da ordem.
O revolucionário, por assim dizer.
Assim como ele aparece em Lost, como o inimigo de Jacob.
Assim como ele tenta e corrompe... mas também apresenta caminhos mais fáceis para o mesmo destino.
Eu conheço esse discurso não só da igreja aliás.
Há alguns anos, virei grande fã de Metal Extremo, e descobri no Black Metal pessoas criativas, habilidosas e excelentes músicos.
Nunca fui fã, admito. Mas hoje posso falar sobre algumas bandas que levam a bandeira do estilo com muita responsabilidade.
Mas há outra bandeira... e outro Black Metal...
O de Satanás.
Existem, é claro, dois Satanás aqui.
Um é apenas um personagem de narratvas de jovens músicos preocupados apenas com sua música, para quem Satanás é símbolo de rebeldia, como o foram as drogas e o sexo livre.
O outro, o símbolo do mal, é o patrono de uma seita surgida nos meandros da "sociedade metálica".
Aquela seita que queima igrejas, que mata.
De gente como Varg Vikernes... e Ghaal:
Mas, é claro, nada disso tem mesmo a ver com Satã.
Tem a ver com a estupidez humana...
A falta de noção dos limites entre o racional e o irracional.
E é quando ligo a tevê que me deparo com cenas que me fazem repensar ainda mais como o ser humano lida com o mal.
O caso de André Luiz dos Santos, empresário de 49 anos, é emblemático. Ele saiu de Ponte Nova (MG) para protestar, carregando uma cruz de madeira de aproximadamente 1,8m de altura pesando cerca de 30 kg. Em frente ao fórum, André se amarrou à cruz com cartazes pendurados e fotos de Isabella.
Para a maioria das pessoas, os Nardoni do afamado caso Isabella são não apenas culpados...
Para André, que afirmou que “Isso não tem relação com Cristo. Tem relação com a paz”, o que são os Nardoni senão uma encorporação terrena do que é o mal.
Para a maioria dos espectadores desse caso, para as milhares de pessoas que fazem vigília à porta do fórum, os Nardoni são o mal.
Não devem pagar com 30 anos de cadeia, devem morrer.
Como eram apedrejados os blasfemadores e as prostitutas em tempos antigos.
E ainda o são em alguns países onde quem manda é a "lei de Deus".
A maior parte da população espera dos seus líderes mais a lei de Deus que a dos homens.
A lei que pune com sangue, do olho por olho, do velho testamento.
Assim, o julgamento do caso Isabella acabou antes de começar.
Porque existe sim a chance deles serem inocentes.
Mas os Nardoni já são culpados. Nunca mais vão poder voltar à sociedade.
Mesmo julgados inocentes, serão penalizados por uma sociedade que não entende o mal.
Ou o bem.
Que julga os homens pelos mesmos motivos mesquinhos que julgava há séculos.
Que não tolera, não entende e se vinga.
E que prefere o conformismo de Deus ao questionamento do Diabo.
"“Deus”, “imortalidade da alma”, “redenção”, “além”, todos esses são conceitos que nunca levei em conta; nunca com eles sacrifiquei meu tempo, nem mesmo em criança; talvez nunca fosse bastante ingênuo para fazê-lo? Para mim o ateísmo não é nem uma conseqüência, nem mesmo um fato novo: existe comigo por instinto. Sou bastante curioso, suficientemente incrédulo, demasiado insolente para contentarme com uma resposta tão grosseira. Deus é uma resposta rude, uma indelicadeza contra nós, pensadores; antes, dizendo-se a verdade, não é senão um tosco empecilho contra nós mesmos: não deveis cogitar dele!"
Nietzche, Ecche Hommo
O fundamento do ato do Sr. André me leva também a outro "Jesus Cristo" moderno.
Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, de 24 anos. Que segundo consta queria levar Glauco, o cartunista, para dizer à sua mãe que ele era Jesus.
Um desequilibrado, sem dúvida, mas nunca pelo daime.
Uma seita, sim, mas não menos nociva que o catolicismo, os cultos evangélicos ou outra que seja.
Desde o oráculo de Delfos até o Daime temos milênios de transes hipnóticos e curas místicas para males.
Cadu, assassino de Glauco e de seu filho, é tão vítima quanto os dois.
Quanto Isabela.
Mas o mal - ah, o mal - o mal é uma característica dos homens!
Deus, que observa, rege e pune, é o bem.
Lúcifer, que contesta, negocia e liberta, é o mal.
Disso se fazem os psicopatas, dentro e fora das religiões.
Dentro, temos crápulas como Edir Macedo, cujos fiés seguem como a um novo Jesus, e que propaga que o mal se encontra, por exemplo, no candomblé.
Ou seja, uma religião de todo um povo é símbolo do mal para muitas pessoas...
E não é coincidência que seja a religião de negros, de pobres.
Assim é para católicos, pentecostais, ou simplesmente supersticiosos.
Porque toda religião nada mais é que uma superstição institucionalizada.
Mas a bola levantada pelo Lost lembra-nos também de um outro aspecto dessa relação: o livre-arbítrio. A capacidade do homem de escolher seu caminho.
O deus de Lost não pune, ele controla as vidas de um grupo de coitados para fazê-los crer em suas capacidades e, assim, provar ao seu "inimigo" que é o lado "branco" da moeda.
Se é que isso já não é uma punição.
Crer ou não não é a questão.
Eu não creio.
(e por vezes tenho medo de quem crê)
Mas a questão é: o que se faz em nome do bem e do mal se justifica?
E o que, afinal, são bem e mal? São Deus ou Satã?
É melhor viver para sempre na doutrina dogmática de Deus ou se libertar na vida corrompida de Satã?
O homem não nasceu para sofrer, para ser punido.
Não nasceu para se submeter.
De Nardonis, Ghaals, Cadus e Macedos eu tiro uma conclusão:
Nós, os mortais, criamos Deus e Satã. Somos maiores e melhores que eles.
--------------------------------------------------------------------------------------------
PS: O título do texto ("Toda a punição é maldade; toda a punição em si é má") é uma frase de Jeremy Bentham, figura com a qual não concordo 100%, mas que cunhou uma frase genial.
Uso aqui um trabalho fenomenal de um grande amigo:
Prado, Márcio Roberto do. Vésper – 2007. Disponível em: http://www.fclar.unesp.br/posestlit/teses/marcio_roberto_do_prado.pdf
Agora um alívio cômico da MadTv: Toque de um Ateu:
Nietzche, Ecche Hommo
O fundamento do ato do Sr. André me leva também a outro "Jesus Cristo" moderno.
Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, de 24 anos. Que segundo consta queria levar Glauco, o cartunista, para dizer à sua mãe que ele era Jesus.
Um desequilibrado, sem dúvida, mas nunca pelo daime.
Uma seita, sim, mas não menos nociva que o catolicismo, os cultos evangélicos ou outra que seja.
Desde o oráculo de Delfos até o Daime temos milênios de transes hipnóticos e curas místicas para males.
Cadu, assassino de Glauco e de seu filho, é tão vítima quanto os dois.
Quanto Isabela.
Mas o mal - ah, o mal - o mal é uma característica dos homens!
Deus, que observa, rege e pune, é o bem.
Lúcifer, que contesta, negocia e liberta, é o mal.
Disso se fazem os psicopatas, dentro e fora das religiões.
Dentro, temos crápulas como Edir Macedo, cujos fiés seguem como a um novo Jesus, e que propaga que o mal se encontra, por exemplo, no candomblé.
Ou seja, uma religião de todo um povo é símbolo do mal para muitas pessoas...
E não é coincidência que seja a religião de negros, de pobres.
Assim é para católicos, pentecostais, ou simplesmente supersticiosos.
Porque toda religião nada mais é que uma superstição institucionalizada.
Mas a bola levantada pelo Lost lembra-nos também de um outro aspecto dessa relação: o livre-arbítrio. A capacidade do homem de escolher seu caminho.
O deus de Lost não pune, ele controla as vidas de um grupo de coitados para fazê-los crer em suas capacidades e, assim, provar ao seu "inimigo" que é o lado "branco" da moeda.
Se é que isso já não é uma punição.
Crer ou não não é a questão.
Eu não creio.
(e por vezes tenho medo de quem crê)
Mas a questão é: o que se faz em nome do bem e do mal se justifica?
E o que, afinal, são bem e mal? São Deus ou Satã?
É melhor viver para sempre na doutrina dogmática de Deus ou se libertar na vida corrompida de Satã?
O homem não nasceu para sofrer, para ser punido.
Não nasceu para se submeter.
De Nardonis, Ghaals, Cadus e Macedos eu tiro uma conclusão:
Nós, os mortais, criamos Deus e Satã. Somos maiores e melhores que eles.
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PS: O título do texto ("Toda a punição é maldade; toda a punição em si é má") é uma frase de Jeremy Bentham, figura com a qual não concordo 100%, mas que cunhou uma frase genial.
Uso aqui um trabalho fenomenal de um grande amigo:
Prado, Márcio Roberto do. Vésper – 2007. Disponível em: http://www.fclar.unesp.br/posestlit/teses/marcio_roberto_do_prado.pdf
Agora um alívio cômico da MadTv: Toque de um Ateu:
George Carlin rules!!