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sábado, 28 de fevereiro de 2015

Conjuntura



I.

Do dicionário Caudas Aulete online:


conjuntura (con.jun.tu.ra) sf.


1. Situação não duradoura, resultante da combinação de diversos fatores ou circunstâncias: A atual conjuntura econômica é um desastre.: "Seus próprios pais com ela se aconselhavam nas conjunturas difíceis." (Franklin Távora, O matuto))
2. Fato, acontecimento, ocorrência que modifica ou caracteriza determinada situação concreta.



quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Bolsa Fascista



Há alguns dias, o deputado federal pelo RJ Jean Wyllys, do PSoL fez uma polêmica defesa do programa "Sexo e as Nega", de autoria de Miguel Falabela e veiculado pela Rede Globo de televisão. A defesa soou polêmica não apenas pela natureza do programa em si, considerado preconceituoso por muitas pessoas - especialmente as ligadas às causas da comunidade afro-brasileira e aos movimentos feministas -, mas pelo fato que Jean é tido como um dos raros casos de deputados defensores de grupos oprimidos no Congresso Nacional. Jean não apenas milita em prol da causa LGBT, mas em defesa de mulheres, prostitutas, índios e negros. Jean Wyllys foi duramente criticado e, em certa medida, aceitou as críticas mesmo não voltando atrás em sua posição.
Há alguns dias, um professor e blogueiro famoso no facebook foi acusado publicamente e escrachado por movimentos feministas e simpatizantes após a revelação de um caso de, digamos o mínimo, abuso de poder. A postura soou polêmica por se tratar de um homem assumidamente "de esquerda" e que se manifestava em apoio a causas de mulheres, índios e negros. Descobriu-se que o professor tinha um interesse mórbido em humilhar mulheres casadas - não apenas em seduzir e levá-las a traição, mas em submetê-las a um jogo de humilhações que chegaram até a ameaças pelos maridos contra a vida dessas mulheres. E ele, segundo as acusações, sentia prazer nisso. E, para a surpresa de muitas pessoas, ele foi apoiado por outras figuras eminentes da esquerda, o que gerou uma imensa revolta, especialmente nas redes sociais. Alguns apoiadores até voltaram atrás e se retrataram, mas o professor não. E quanto mais se mexeu no vespeiro, mais coisas foram surgindo.
Ontem, o deputado federal pelo RJ Jair Bolsonaro, do PP, fez um ataque direto (o segundo) à colega Maria do Rosário, do PT, que gerou polêmica.

sábado, 1 de novembro de 2014

O país frustrado chamado São Paulo

Do facebook do MSPI.


Em 2012 escrevi um texto chamado "São Paulo: mostra a tua cara!", no qual eu disse a seguinte frase: "Se o governo federal fosse menos bunda mole (e interesseiro), interviria em São Paulo." Diante dos eventos das últimas semanas, continuo pensando da mesma forma.


sábado, 25 de outubro de 2014

Caso eu seja agredido por ser de esquerda

Briga entre apoiadores de Dilma e Aécio, em frente ao Theatro Municipal (Foto: Michel Filho/Agência O Globo)


Pelo visto - ao menos pelas pesquisas, nas quais pouco confio -, Dilma Roussef será reeleita presidenta do país. E, com sua reeleição, acho que alguma reflexões deverão ser encampadas, especialmente por aqueles preocupados com a real mudança, não a alardeada por Aécio e Marina, mas aquela que posiciona-se além do que o PT conquistou - e das concessões nefastas que fez para tanto. E acho que, do meio dessa campanha louca, saímos com ao menos um saldo imediato muito negativo: o aumento da criminalização paranoica do pensamento de esquerda.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Duas mentiras que o resultado do primeiro turno desmascarou



1 - A polarização

A candidata Marina Silva (PSB) e o candidato Aécio Neves (PSDB), durante o debate dos presidenciáveis promovido pelo Grupo Bandeirantes, em 26/08/2014
A candidata Marina Silva (PSB) e o candidato Aécio Neves (PSDB), durante o debate dos presidenciáveis promovido pelo Grupo Bandeirantes, em 26/08/2014 - Ivan Pacheco/VEJA.com
Não sei se por ingenuidade ou por uma aposta "equivocada", o fato é que o discurso contra polarização da candidata a presidência Marina Silva não colou. Aliás, diga-se de passagem, não colava desde que o finado Eduardo Campos insistia em ser a tal "terceira via", achando que política é budismo de madame. Não, não é, e por isso a suposta força desse discurso se esvaiu assim que o cadáver do Eduardo esfriou - apesar de TODOS os partidos terem mantido ele quente tempo o bastante pra ganharem votos. O resumo da ópera é que a tentativa que muitos setores, especialmente aqueles mais conservadores que insistiram no fim da dicotomia esquerda e direita, tem que engolir o fato inegável que o posicionamento ideológico é importantíssimo ainda na discussão política.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Eduardo Jorge para presidente!


O título pode assustar os incautos, que devem se perguntar “como assim? Aquele ‘maconheiro’ do PV?” Antes de julgamentos rasos e preconceituosos, eu peço encarecidamente que acompanhem minha longa reflexão, pois o papel exercido no debate dos presidenciáveis na Band pelo grande Eduardo Jorge não deve ser menosprezado numa eleição em que se impôs o debate não apenas de candidatos, mas do nosso próprio sistema político atual.

(Se quiser ver o debate na íntegra, os links tão no site da Band.)

sábado, 2 de agosto de 2014

A fé que soterra a razão: é urgente intervir nas Neopetencostais para salvar o Brasil

Fonte: Site de Edir Macedo



No meu doutoramento, concluído há dois meses, dediquei-me ao estudo, dentre outros temas, de dois aspectos singulares da cultura humana: magia e religião. Meu estudo focava-se em uma obra literária específica da Antiguidade grega, mas dada a natureza do trabalho optei por enveredar-me pelos estudos acerca desses temas fora da minha área de atuação, as letras. Especificamente, dediquei-me a ler obras de antropólogos, como Marcel Mauss e Lévi-Strauss, sociólogos como Émile Durkeim e historiadores da religião como Mircea Eliade, além dos especialistas em religiões gregas, como Jean-Pierre Vernant e Walter Burkert. O estudo desse tema me fazia, por vezes, voltar meus olhos para além do universo do politeísmo grego, posto que vivemos em uma sociedade que, mesmo tendo conquistado um espaço grande para o pensamento laico, ainda é muito religiosa. É inegável que a religião ainda é o centro moral da sociedade humana. E, não por acaso, ainda dita as regras em parcelas da nossa sociedade que, supunha-se, já teriam se libertado dessa influência, especialmente a política. A separação dessas esferas é, em uma democracia representativa como a brasileira, algo fundamental para que não aconteça o que está na foto abaixo, da cerimônia de inauguração do chamado Templo de Salomão, uma obra (polêmica) da Igreja Universal do Reino de Deus.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Precisamos falar sobre Olavo

O astrólogo Olavo de Carvalho, na Veja.

Um dia desses, compartilhei esse texto do Diário do Centro do Mundo sobre o autointitulado filósofo e ex-astrólogo Olavo de Carvalho. Dentre os comentários ao texto, um grande e inteligentíssimo amigo - daqueles que fazem você ainda ter vontade de permanecer no Facebook - ofereceu-me uma peça para a reflexão: a fama do pensador conservador é responsabilidade de seus seguidores, apelidados de olavetes, mas também da esquerda dá ibope para ele, rebatendo as coisas que ele diz, que são evidentes inverdades, baseadas numa percepção simplista da relação de forças entre esquerda e direita. Segundo esse amigo, Olavo tem ideias tão fracas que deveria ser ignorado pelos seus detratores.
Eu penso o exato contrário, e esse texto serve pra explicar o porquê.


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Carta aberta a um jovem conservador

Símbolo da UFSCon.

Caro jovem da UFSC,

Sempre houve uma parcela significativa da população que defendeu ideias mais alinhadas com o pensamento conservador, mesmo o Brasil inserindo-se num contexto um pouco mais à la gauche desde a redemocratização. Eu digo que somos na nossa origem uma oligarquia ainda, com todas as mazelas derivadas de nossa história escravocrata e colonizada, mas possuímos uma semente revolucionária. Acho que a natureza colonial da América trouxe uma grande multiplicidade ao seu povo e desde sempre o colonizado busca, de alguma forma, livrar-se desse papel. Não acho que isso seja um padrão estrito, genético, mas que a história da América é uma constante luta pela liberdade, isso é.

sábado, 17 de agosto de 2013

Reflexões 1 - Da situação acadêmica, percepção de espaço e sistemas


Eu estou devendo uns vários textos sobre F1 aqui, mas a pausa para refexão é necessária. O texto é longo e recebe a numeração porque não pretende ser a única reflexão - e porque também não é uma reflexão fechada. Vamos ao que interessa (ou não).


sexta-feira, 21 de junho de 2013

O custo de 20 centavos

O blog Muralhas de Troia é um espaço, essencialmente, para expressar as impressões de mundo deste ser que vos fala, e que quem conhece sabe que fala muito. Porém, mesmo com tanto pra falar, demorei muito para escrever algo aqui sobre as manifestações que percorrem o Brasil por três motivos principais: falta de tempo, pois eu tenho um doutorado pra escrever; falta de assunto, pois todos os veículos que sigo e os amigos já haviam dito, em suma, tudo o que eu pensava e achei que mais compensava compartilhar suas palavras e ideias que reproduzir as mesmas num texto que, nessa conjuntura, seria apenas mais um; o receio da falta de um horizonte que, agora, se assevera sobre os manifestantes. O horizonte era o transporte público, o que me lembra outra coisa que preciso reaver para comentar o estado das coisas.


sábado, 27 de abril de 2013

PEC 33: Jeitinho ou Necessidade?

Os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Alves.


Eu emiti minha opinião no facebook sobre o tema polêmico das crescentes tensões relações entre Legislativo e Judiciário no Brasil. O que eu disse foi o seguinte:


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Por que é burrice pedir o afastamento de Renan Calheiros?

Esse texto é uma reunião de postagens, comentários e outras elucubrações que venho fazendo acerca do tema nos últimos dias, principalmente na minha página pessoal do facebook. Resolvi publicar no formato de texto com o intuito de esclarecer minha posição, aos que já me conhecem, e abordar um outro espectro da questão que não tenho visto ser abordado por aí.


Meu nome no facebook é Fábio Gerônimo Guarani Kaiowá. Apesar de terem tentado (e conseguido) eliminar esses nomes ligados à essa causa do facebook, eu por algum motivo consegui manter o meu. Fiz isso como um apoio à causa dos índios Guarani-Kaiowá, que estavam ameaçados de extinção pela ação criminosa de senhores de terra dos rincões do velho-oeste brasileiro. Eu não preciso explicar toda a situação, suponho, mas me lembro que rolou pelo facebook uma petição online pelos Guarani-Kaiowá. Eu assinei, obviamente, acreditando que a petição efetivamente poderia ajudar a solucionar a questão. Acredito no poder de mobilização coletivo em prol de uma causa, e é fascinante que a internet possa permitir uma ação do tipo. Eu não julguei, no momento, que aquela ação poderia ser inútil efetivamente: apenas julguei que eu estava contribuindo um pouco com algo que, pra mim, é dever de qualquer defensor da vida humana.
Mas e a mudança do nome? Há vários motivos, diferentes pra cada pessoa (a Eliane Brum traz um excelente texto sobre o assunto). Pra mim, a mudança tinha outra via de ação: ao integrar-se nominalmente ao grupo que eu queria defender, simbolicamente eu defendia que eu fazia parte daqueles que se entregavam à morte perante a máquina compressora dos ditadores do campo. Eu obviamente não iria morrer de fato, mas é como se eu dissesse ao mundo que a morte daqueles seres é a minha morte também. Aliás, mais que isso, é a morte de qualquer um de nós, a morte de nossa ética, de nossa decência, de nosso bom senso e justiça. Além disso, permiti a cada pessoa que visse meu nome pensar, mais uma vez, naquela causa tão urgente. Não é apenas uma postagem que fica pra trás na longa timeline do facebook, mas o meu nome: sempre presente, afixado na minha existência virtual. Por esse último motivo que eu não removi o nome da tribo ameaçada do meu facebook, como alguns amigos fizeram quando, dada a pressão, começou-se a rever a questão da demarcação de terras dos Guarani-Kaiowá. Eu sei que, mesmo que uma vitória tenha sido conquistada, a vida desses seres ainda está em perigo, e tudo pode mudar a qualquer momento. É um protesto, também, perante gente como a bancada ruralista do congresso, gente como Regina Duarte, defensora dos direitos dos donos de terras, e Kátia Abreu, da própria bancada, dianteira na pressão exercida sobre a presidente em favor dos interesses desses criminosos.
O ciberativismo, como está sendo chamado, se tornou o responsável por essa e por outras ações que geraram efetivas mudanças a curto prazo. É sempre lembrada a famosa Primavera Árabe, motivada por jovens conectados em rede, com anseio de mudança. Mas nenhuma dessas ações obteve sucesso exclusivamente pela movimentação da rede. Sempre foi necessário ações concretas fora do mundo virtual em prol do sucesso das empreitadas, sendo o palco internético o espaço de agregamento de ideias, de informações e, principalmente, de pessoas e logística.
Esse é o gancho para entrar objetivamente no assunto do texto que, propositalmente, exponho no titulo de maneira polêmica e agressiva.
A mobilização virtual fomentada pelo jovem Emiliano Magalhães contra o senador das Alagoas Renan Calheiros (PMDB) foi uma ação das mais populares no meio virtual brasileiro dos últimos anos. Eu recebi essa petição (e vários clones e petições derivadas) todo dia tanto por facebook e email (não vi o twitter porque o twitter morreu e ninguém usa mais). É um pedido tão repetido, tão insistente, que você chega a se sentir mal por não aderir, como se você não estivesse cumprindo seu dever cívico de lutar pela decência e moral no seu país, afastando a corja corrupta do congresso com o poder que as novas tecnologias te oferecem. Ao invés de compartilhar memes, piadinhas e outras bobagens, eu estaria efetivamente contribuindo pro futuro do meu país, numa ação realmente construtiva.
Tudo uma tremenda bobagem demagógica, hipócrita e inútil.
Vivo postando textos sobre política no facebook, manifestações diversas, mas sempre alinhadas à minha visão de mundo, ou seja, esquerda, doa em você ou não. Esse tipo de postagem é mais útil do que muita gente pensa, pois serve para fomentar o debate, de todos os lados, e a única coisa tão importante quanto a leitura na formação do conhecimento humano é o debate. Por isso não sou contra manifestações políticas no facebook, muito pelo contrário, eu as acho fundamentais. Mas nenhum debate que comece e termine na internet é frutífero de verdade, sabe? As pessoas não leem as coisas, não prestam atenção e compartilham qualquer coisa. Pouco importa se eu concorde ou não com sua opinião, eu sempre espero que as pessoas que estejam compartilhando algo no facebook o façam porque você conhecem e corroboram com os argumentos que defendem. Eu não vejo isso no comportamento das pessoas, elas reproduzem o discurso alheio sem atentar para o que existe por trás das propostas que elas dizem defender. Eu apostaria que 90% de quem compartilhou a tal petição online não sabe nada sobre o "Renangate", capaz de nem saberem de que estado ele vem. Acho que ativismo virtual é verdadeiramente útil quando ele não exclui o real e quando ele gera reflexão, o que não é o caso.
Mas e o caso dos índios? Todos bem sabem que as petições online foram apenas uma das diversas ações empreendidas em defesa deles. Houveram manifestações de todos os lados, pessoas saíram às ruas, foram até as aldeias. A petição sozinha não tem força alguma, nem tem o valor efetivo de um abaixo-assinado real, mas pode servir como uma de várias ferramentas para a conscientização. Como a mudança dos sobrenomes.
As pessoas que compartilharam e insistiram pela sua assinatura o fizeram por três razões: uma é a efetiva ilusão de que a coisa funciona, por desinformação; a segunda é a ilusão de estar fazendo a coisa certa, de estar contribuindo para algo, que gera uma aceitação por parte da sociedade - a não assinatura está ligada diretamente aquela impressão de não ser cidadão, que comentei antes - e um conforto espiritual; a terceira razão é a ilusão de segurança: quem não sai às ruas pra protestar não toma borrachadas, não é perseguido, ou seja, o ativismo no conforto do sofá garante ao agente fazer a sua parte sem se mover... é o ativismo moderno, a mobilização delivery, muito melhor explicada neste post do Observatório da Imprensa.
Mas essa não é a minha única bronca.
Como já postei no facebook, a corrupção não é o maior dos problemas da nossa política, nem o menor. É um problema endêmico, epidêmico, que faz parte de PT e PSDB, só pra citar dois espectros mais visivelmente opostos da política nacional (e cada vez mais semelhantes). Os corruptos de hoje só se diferenciam dos de ontem por duas coisas: são mais novos e estão sendo punidos. No governo FHC tivemos diversos casos de corrupção, denunciados pelos mesmos jornalistas que hoje falam de mensalão e Cachoeira. Mas o que a maioria das pessoas reclama sobre a corrupção no governo federal é mais grave justamente por ser a continuidade de um esquema que parece indissociável do nosso modelo político atual do que por ser uma traição ao seu voto de confiança. Muita gente votou no Collor e, arrependido, votou no FCH. O ciclo de arrependimento os levou a elegerem o Lula e depois a votarem no Serra, sem sucesso. Esse arrependimento vem do fato de que as pessoas estão anestesiadas - muito por culpa de nossa mídia - em estágio de eterno torpor, com um discurso decorado e propagado sem muita mudança por todos: todo político é corrupto. Mas ser de esquerda não te torna menos responsável, e ser de direita não te torna um poço de moral. Votar nos corruptos de ontem não é melhor que votar nos de hoje, e não resolve nada, apenas te dá a ilusão de mudança. Mas como todos sempre prometem saúde, educação e moradia e a mídia sempre promove os roubos e falcatruas, as pessoas (com razão) desacreditaram totalmente no modelo político atual. E esse é um dos maiores, senão o maior perigo pra uma democracia: quando os cidadãos perdem a confiança na legitimidade dos seus representantes.
Isso nos leva de volta ao Renan Calheiros:
Será que todas as pessoas que clamam contra a eleição do Renan Calheiros à presidência do senado sabem exatamente o que um presidente do senado faz?
Será que todas as pessoas que compartilham abaixo assinados pedindo sua cassação sabem como funciona o sistema de cassação de parlamentares no país?
Será que todas as pessoas que reclamam da corrupção nunca votaram em um corrupto?


Meu comentário todo é baseado no fato (sim, isso é um fato) de que cada vez mais as pessoas compartilham informações das quais ela não tem certeza ou mesmo que nem são verídicas apenas pelo fato de que, compartilhando, elas se sentem bem pela ilusão de fazer algo. É o caso do tal site de petições que, efetivamente, não tem poder algum sem uma mobilização séria, daquelas com papéis e assinaturas reais. No texto do Observatório, o especialista em internet faz um comentário sobre a possibilidade de o ativismo virtual substituir o ativismo real (marchas, manifestações, etc.), pois ele é mais seguro (ninguém apanha da polícia) e permite o anonimato. Mas isso pode acabar dando origem a um ativismo restrito ao mundo virtual, o que seria muito danoso pra democracia. Eu acho importantíssimo o espaço das redes tanto do ponto de vista simbólico (o caso do meu sobrenome no facebook), quanto da pressão efetiva, mas o exemplo claro de que certas mobilizações estão com o foco errado é que essa petição contra o Renan Calheiros surgiu antes de sua eleição, foi comentada até pelos congressistas e, mesmo assim, ele acabou eleito! O que é complicado no caso são duas coisas: o fato de o Renan poder se reeleger para qualquer cargo político (pois lá na terra dele ele SEMPRE vai ganhar) e o fato das votações na câmara e no senado serem sempre secretas. No fim, por vezes, nem sabemos se as pessoas em quem votamos realmente estão defendendo nossos interesses.
Outra coisa equivocada na maioria das pessoas é a visão do que é um corrupto: tecnicamente, por mais que pessoas gritem aos quatro ventos contra ele, o Lula não é um corrupto. Ele é considerado um corrupto porque o relacionamos aos casos de corrupção promovidos pelos membros de seu partido, o PT, como o Mensalão. Mas não há provas contra ele, pelo menos não para o STF, que nem o incluiu nos seus julgamentos. Logo, se eu não voto no Lula porque ele é ACUSADO de corrupção, eu não deveria votar em 90% dos políticos, como Serra e até o FHC, todos acusados - pela mídia ou pelos populares - de algum escândalo de corrupção. O que quero dizer é que as pessoas dizem que o Lula é corrupto porque boa parte da grande mídia o designou dessa forma, logo compramos o discurso alheio mais uma vez como se ele fosse a verdade quando, em suma, ele é uma interpretação dos fatos. A mesma coisa acontece, PASMEM, com Renan Calheiros: houveram seis representações contra ele no conselho de ética mas ele renunciou antes, por pressão "popular". Tecnicamente, ele não foi nem julgado, renunciou ao cargo de presidente e manteve o cargo de senador. E cadê o povo pra exigir o prosseguimento dos processos? 


Afastar Renan Calheiros da presidência, em suma, nada muda na política nacional. Ele tem que ser julgado e punido, não apenas afastado de uma função pra voltar logo depois. Mas enquanto os mecanismos políticos vigentes permitirem que ele volte, ele voltará, até morrer. Por isso continuam no congresso tantas figuras julgadas e condenadas pela opinião pública e até pela justiça. Alguém sempre vota nesses caras, alguém não se importa nem um pouco com nenhum escândalo político, ao contrário: se sente feliz com a presença desses caciques no poder sempre. O atual presidente da Câmara dos Deputados, por exemplo, é congressista há 42 anos!


Não é o Renan que precisa sair: ele precisa de julgamento e, caso seja comprovado como criminoso, de punição. Mas antes de tudo, é preciso repensar nossa democracia e nossa política.
Mas, numa democracia onde o STF pune Zé Dirceu por saber demais e sequer indicia Lula, por ele não saber de nada, há algo de muito estranho acontecendo...

PS: quer fazer algo de realmente útil relacionado à política na internet: visite o site Votenaweb e conheça as propostas de todos os nossos políticos. Você pode debater e votar (voto simbólico, é claro) nas propostas que você acha boas ou ruins para o país.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Conservador não precisa de diploma pra ser imbecil


Boa parte da minha revolta com o pensamento conservador e o liberalismo econômico não reside no fato de eu ser abertamente esquerdista. O meu problema com esses "pensadores" é que eles são egoístas. Não, isso não é um julgamento: a pessoa que defende a primazia do pensamento individual sobre o pensamento coletivo é simplesmente um egoísta. Essa pessoas fazem uma suposta profissão de fé na capacidade do indivíduo que, olhando de perto, é apenas uma descrença completa na humanidade como ente coletivo. Sociedades pra eles são indivíduos lutando até a morte pelo seu quinhão, não grupos buscando o que pode ser melhor para todos. Direitos são mercadoria tanto quanto deveres, e o mercado que os regule. Por isso a maioria deles acredita ao mesmo tempo em Deus e na mágica do Mercado Autorregulador. E vão buscar Deus na Igreja, claro, uma instituição comunitária!

Pior de tudo é que toda essa demagogia não contribuiu em nada pra humanidade. Serviu apenas para acirrar preconceitos e munir gente desonesta e mal intencionada em sua missão de acabar com as liberdades das minorias. Pode-se falar a merda que quiser do socialismo mas, como bem apontou em entrevista já antiga o grande Antônio Cândido, o socialismo permitiu que trabalhadores tivessem direitos. O capitalismo que esses senhores defendem nunca previu dar direitos a ninguém.
Quando perguntado se era socialista, o eminente intelectual disse:



Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias... tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.


Por quê?


Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

O destaque em negrito na resposta de Cândido é justamente o que o pensamento conservador renega. E isso fica evidente em qualquer texto que você leia, desde os micos de circo como Reinaldo Azevedo e Olavo de Carvalho até aqueles que se acham sérios, como os membros de um certo Instituto que tiveram a pachorra de publicar um texto intitulado "A obrigatoriedade do diploma - ou, por que a liberdade assusta tanto?" O texto é de 2009 mas só trombei com ele hoje por conta de meu irmão, jornalista de formação, e como ele fiquei abismado. Pra começar, o conceito de liberdade deles é uma abominação tão grande que chega a dar nojo.

Segundo que ele defende algo que não faz o menor sentido: o fim dos diplomas. Para esses conservadores o ser humano é tão autossuficiente, tão capaz, que ele deve gerir sua própria educação, independente de instituições, que para eles só servem para "perder tempo e dinheiro sendo doutrinado e estupidificado em cursos de ciências humanas". A solução é a educação caseira, já que no mundo de hoje "com a quase universalização da internet, qualquer um está preparado para estudar por conta própria, desde que esteja munido do impulso genuíno para tal." Eu poderia passar dias explicando porque isso é um absurdo, mas eu prefiro dar a palavra a meu irmão que rebateu esse texto muito melhor que eu no facebook:


Muito bem. O STF revogou a exigência do diploma de jornalismo (eu sou formado em jornalismo, inclusive), porém, o autor do texto esquece de mencionar que a revogação foi um pedido da ANJ, a Associação Nacional dos Jornais. Ou, como nós da área costumamos dizer, a Associação Nacional dos PATRÕES de Jornais. Foi uma entidade patronal que exigiu que o diploma não fosse mais obrigatório. O que uma entidade patronal quer, dentro do próprio sistema de livre mercado que o autor tanto defende? Lucro. Ou seja, a decisão não foi com a intenção de liberdade de expressão, nem pela liberdade dos profissionais não-diplomados. Foi apenas baseada em lucro, puro e simples.
Pois bem, mesmo assim, eu não discordo completamente da medida. Eu sou formado em Jornalismo e não acho que o diploma de jornalista tenha que ser obrigatório para o exercício da profissão. Acho que ele pode ser um diferencial, mas não vejo a necessidade de ser obrigatório.
Agora, dizer que TODAS as profissões poderiam existir sem a regulamentação e obrigação de um diploma, é algo que só mesmo na cabeça de alguém que acredita que o Livre Mercado pode regulamentar todas as coisas funciona. 
Vamos ao caso mais fácil de se criticar, primeiro: Medicina. Profissionais diplomados de medicina cometem erros? certamente. Desobrigar o diploma de medicina, criaria, no mínimo, dois enormes problemas.
1) Uma pessoa que nunca sentou nos bancos de uma universidade de medicina, e tentou aprender tudo de outras formas, só pode comprovar sua perícia de uma forma: na prática. Ou seja, vamos esperar que ele mate umas 30 pessoas nas mesas de operações, até que o livre mercado "regule naturalmente" esse profissional, o excluindo por ele ser um mal profissional. As 30 pessoas que morreram na mesa de operação até que isso acontecesse que se danem né?
2) Uma empresa (pública ou privada) que precise de profissionais de medicina, jamais iria escolher um profissional não-diplomado, justamente pelo risco dito acima. Ou seja, não iria fazer nenhuma diferença. O diploma continuaria sendo obrigatório, apenas extra-oficialmente. Ele poderia continuar exercendo sua imperícia "até aprender" em seu consultório. A única garantia que a empresa teria desse profissional é sua atividade prática.
Quanto a todas as outras profissões que exigem diploma, é fácil ver a mesma coisa. Um profissional ruim mancharia toda a classe? Será mesmo? Ora, isso JÁ ACONTECE no Brasil e no resto do mundo, e em quase todo lugar não é isso que se vê. Policias matam pessoas a torto e a direito, mas eles continuam sendo chamados pra ocorrências, porque? Porque não temos escolha. E nós não temos escolha dentro de um nível de classe trabalhadora.
Se você vê mil médicos matando gente em mesas de operação, quando você tiver uma doença grave, vai recorrer a que? Sua ÚNICA opção, continua sendo os médicos, sejam diplomados ou não. Esse argumento de que um profissional ruim mancharia toda a classe, obrigando-a a se auto-regular não faz o menor sentido, porque quando falamos de classe trabalhista, falamos de um setor inteiro da sociedade, e você não tem opção de decidir por outro. Se a classe médica esta manchada, você não vai subitamente parar de ir a médicos. Porque ou você se trata com eles, ou morre. Simples assim. Não adianta nada você estimular concorrência, se o nível do estímulo é a nível de classe. Só existe uma classe em cada profissão. Não existem duas classes de médicos, apenas uma, com vários sub-níveis.
Quanto a cursos "puramente teóricos", quando o autor diz que "os professores apenas escrevem em um quadro e passam livros-texto" e que isso pode ser substituído pela internet, o autor indiretamente está defendendo o modelo educacional sócio-construtivista (que os próprios neo-liberais são contra). Por este método, alguém é capaz de aprender sozinho, se ir atrás sozinho. Pra que isso aconteça, é preciso que alguém tenha a tenacidade de um gênio. Ou você acha MESMO que é possível alguém aprender Física Nuclear sozinho, sem professor, apenas com livros? É claro que é possível. Pra gênios. O resto dos mortais precisa de um mediador, o professor, pra fazê-los entender.
Quando o autor defende que tudo pode funcionar pela concorrência do livre mercado, mesmo permitindo a oferta de "aulas práticas" a profissões que precisem disso, o autor esquece que, em alguns casos, estamos falando de vidas. Você não pode esperar que um profissional de Medicina não-diplomado aprenda matando algumas pessoas até que finalmente ele possa ter a perícia necessária pra trabalhar. Porque sim, meu amigo, um profissional de medicina não é formado só com aulas práticas. Se ele tiver apenas aulas práticas, uma grande maioria vai continuar sendo um péssimo profissional, pela falta de fundamentação teórica.
O mesmo ocorre com Psicologia, que o autor também citou. Você não pode deixar um psicologo não-diplomado aprender ferrando a mente de algumas dezenas de pacientes depressivos, bipolares, com distúrbios psicológicos leves, médios ou graves, até "aprender" e poder concorrer com seus serviços no livre mercado.
Não é possível aplicar o Livre Mercado em profissões cujo erro resulta em dano irreversível ou morte dos seus "clientes".
Se alguém realmente acredita que é possível aplicar o livre mercado em qualquer coisa, essa pessoa precisa sair da clausura que vive e andar um pouco por ai, olhar ao redor, e ver que o mundo não gira em torno do livre mercado. E sim, das pessoas.


Não sei se preciso dizer mais algo, mas eu faria apenas um adendo: tire a obrigatoriedade da escola e ganhe trabalho forçado infantil. Liberdade é ter o direito de estudar, o dever é apenas o exercício da cidadania básica. Outro modelo geraria uma diferença de classes ainda maior que a que já temos, onde somente os donos do capital econômico e, por conseguinte, do capital cultural teriam seus filhos educados e o cidadão pobre não teria acesso algum à qualquer tipo de educação. Isso só geraria um retorno ao trabalho forçado imposto pelos pais, já que educar a criança passaria a não ser nem mais um bem acessível. Lutamos anos contra isso e é isso que queremos?

Mas tudo bem, você pode entrar lá no portal do "instituto" e ver outros impropérios diversos, todos clichês e bobagens repetidos a exaustão - porque toda falácia se torna verdade quando repetida ad nauseam. O texto em questão nem assinatura tem, o que soa estranho pra um grupo tão individualista, né? Aliás, se o individualismo é tão bom, porque montar um grupo? Não era mais adequado às suas filosofias cada um ir pra sua casa, estudar e lançar seus textos num blog pessoal? 

O conservadorismo e o liberalismo econômico são tão, mas tão errados que chegam a parecer piadas... de extremo mal gosto.



domingo, 16 de dezembro de 2012

Futebol e a Alienação Coletiva


http://globoesporte.globo.com/futebol/mundial-de-clubes/fotos/2012/12/fotos-corinthians-vence-chelsea.html
Antes de começar, saliento que a seguinte postagem surgiu de diversos comentários e postagens no facebook, especialmente de uma postagem do Bule Voador, que perguntava:
"PARA VOCÊS, O QUE LEVA AS PESSOAS A FORMAREM VÍNCULOS TÃO INTENSOS COM OS TIMES DE FUTEBOL? POR QUE ESSAS PAIXÕES PODEM SER TÃO INTENSAS?"


A partir da resposta que elaborei a essa pergunta, mais vários textos que publiquei por todo do dia, organizei o Frankenstein a seguir. Espero que faça algum sentido...

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Nesse fim-de-semana tivemos um novo campeão mundial: o Corinthians, com garra e um belo futebol, venceu o apagado Chelsea por 1 x 0 e conquistou o mundo num ano irretocável.
Mas tem gente que não vê razão para a alegria alheia. Tem gente que acha que paixão por futebol não passa de alienação, de pão e circo. Que não vale a pena comemorar gols de jogadores esnobes, que beijam a camisa hoje, mas trocam seu time por qualquer boa oferta amanhã. Gente que se enfeza com os fogos, a festa, o espaço na mídia, tudo relacionado ao futebol. E ai de você se falar que o Brasil é o país do futebol!
Não entendo o motivo de tanta gente reclamar do futebol. Acham, por alguma reflexão cósmica, que o futebol é "alienante" em si, como se necessariamente ele fosse um pressuposto para uma irracionalização do sujeito. Discordo veementemente de qualquer pessoa que colocar o futebol como processo de alienação ou coisa do tipo, pois há vários momentos em que o esporte, como representação simbólica, serviu para mudanças ou lutas sociais importantes. É clichê, mas como dez um camarada corinthiano, preciso citar o saudoso Dr. Sócrates:


Fonte: Futrico.net
"Conseguimos [com a Democracia Corintiana] provar ao público que qualquer sociedade pode e deve ser igualitária. Que podemos abrir mão de nossos poderes e/ou privilégios em prol do bem comum. Que devemos estimular a que todos se reconheçam e que possam participar ativamente dos desígnios de suas vidas. Que a opressão não é imbatível. Que a união é fundamental para ultrapassar obstáculos indigestos. Que mesmo as dificuldades nos são potentes professoras. Que o convívio com pessoas que pensam e agem de forma absolutamente fascista não é impossível. Que uma comunidade só frutifica se respeitar a vontade da maioria de seus integrantes. Que é possível se dar as mãos.

Quem sabe um dia verei, mesmo que lá de cima, acontecer o mesmo com nosso país. Talvez nossa nação possa viver um amanhã justo, ético e puro."

(Sócrates, em "Democracia corintiana: a utopia em jogo")


Isso posto, venho ao contexto da paixão: um clube de futebol é uma agremiação que possui, antes de tudo, uma identificação com uma comunidade, seja ela uma cidade, um bairro, um estado, um país, etc. São Paulo, que é uma grande cidade, tem vários clubes e, na sua maioria, eles se originam de bairros.
Aí passamos para a indústria cultural, que assimilou, a meu ver, a "paixão" do torcedor e a pasteurizou. Na sociedade capitalista moderna, a indústria cultural vive de marketing, e mesmo o sentimento pode ser reproduzido e, a partir dele, gerar uma série de possibilidades de vender produtos e conseguir lucro. O homem da sociedade atual vive uma crise de representação, muito causa e ao mesmo tempo consequência da massificação, e nesse vácuo existencial trabalha o produtor de propaganda, ao fetichizar o produto que deseja vender, e ao ressignificar a relação de simpatia que o indivíduo tem com seu time do coração. Não que a paixão não existisse antes, mas ela se acirra cada vez mais pois cada vez mais os clubes tem mais espaço de exposição na sociedade. Ao ser assimilado, o futebol cresceu (mais investimentos, patrocinadores maiores, etc) e, no caso do Brasil, a TV permitiu que houvesse uma abrangência maior (e consequentemente um maior impacto) dos grandes times das grandes capitais. Além disso, como desde sua chegada o brasileiro se identificou com o futebol, o esporte se tornou ícone de identificação nacional antes mesmo de se tornar o produto rentável que é hoje. Mas não sou sociólogo pra entender (e explicar) isso mais a fundo, perdoem-me.

Um exemplo de incongruência e distorção da realidade ao tratar o futebol como mera alienação: como acertadamente lembrou um amigo meu, o time do Al Ahly que disputou o Mundial de 2012, esteve politicamente envolvido na chamada "Primavera Árabe", e sofreu retaliação por parte dos apoiadores de Mubarak naquele triste evento do massacre de Port Said: "Tem sido amplamente  observado que as circunstâncias do motim são suspeitas na melhor das hipóteses. O massacre veio no aniversário de um ano da tomada da Praça Tahrir por um grupo de contra-revolucionários pró-Mubarak. Foi dirigido a um grupo conhecido por manifestar uma agenda política liberal através do apoio de uma equipe fundada em nome dos trabalhadores historicamente vulnerabilizados e estudantes. E isso ocorreu em um momento em que o governo militar interino pediu aos cidadadãos para apoiar a extensão dos poderes de emergência, e com a cumplicidade aparente da aplicação da lei e da segurança do estádio."
Fontes - imagem:: facebook. Citação: ESPN

O crescimento da paixão para algo doentio não é exclusividade nacional: lembrem-se do fenômeno hooligan na Inglaterra, ou da violência nos estádios da Turquia. O esporte pode ser uma válvula de escape para frustrações, preconceitos, questões de identificação, enfim. E isso, a meu ver, se aproxima um pouco da fé religiosa extremada (e acho que o interesse do post do Bule Voador foi fazer essa ponte) apenas pelas consequências, não pelas origens, da paixão. Na verdade, ao representar sua paixão concretamente, o indivíduo preenche o vácuo da sua crise com o futebol como o religioso preenche com a fé, mas daí a gerar fanatismo e a consequente violência, a coisa é mais complexa. Ela não é intrínseca, a meu ver, nem à religião nem ao futebol: ela se dá pelo motor da construção coletiva de um movimento em direção à substituição das urgências do indivíduo pela fé ou pelo time, como símbolos de uma ausência (a crise) que ele preenche na paixão exacerbada. Não obstante, ambos, o fanático religioso e o futebolístico, criam inimigos e a violência que conduzem contra seus inimigos faz parte desse processo todo.
Ontem estava lendo na internet textos sobre Dissonância Cognitiva, algo que ajuda a explicar o que estou querendo dizer. Cito a Wikipédia:
Dissonância cognitiva é um termo da psicologia social, que se refere ao conflito entre duas idéias, crenças ou opiniões incompatíveis. Como esse conflito geralmente é desconfortável os indivíduos procuram acrescentar "elementos de consonância", mudar uma das crenças, ou as duas, para torna-las mais compatíveis. Este efeito foi descrito pela primeira vez numa experiência realizada nos Estados Unidos por Leon Festinger e Carlsmith em 1959.

Trata-se da percepção da incompatibilidade entre duas cognições diferentes, onde "cognição" é definido como um qualquer elemento do conhecimento, incluindo as atitudes, emoção, crenças ou comportamentos. A dissonância ocorre a partir de uma inconsistência lógica entre as suas crenças ou cognições (por exemplo, se uma ideia implicar a sua contradição). A consciência ou a percepção de contradição pode tomar a forma de ansiedade, culpa, vergonha, fúria, embaraço, stress e outros estados emocionais negativos.


Quando surge a oposição a uma cognição enraizada como um pressuposto autoreferente (todos acreditam em Deus/todos torcem pelo meu time), surge a violência pela incompreensão da alteridade. Pode parecer um exagero, mas para o torcedor fanático, o adversário é o símbolo da alteridade máxima e, por isso, a sua existência é uma inconsistência lógica da sua cognição. Isso gera várias reações, porém por uma crise de identidade e representação do sujeito da contemporaneidade, a reação em geral se dá por esses estados emocionais negativos. A reafirmação de sua paixão completa o sujeito, pois essa paixão está intrinsecamente associada tanto a sua identidade de grupo quanto a sua representação como indivíduo.

A fábula da raposa e as uvas, de Esopo, é um dos exemplos dados pela Wikipédia de dissonância cognitiva: "Quando a raposa percebe que não consegue alcançar as uvas, ela decide que não as quer de qualquer modo, um exemplo da formação adaptativa de preferências, com o objetivo de reduzir a dissonância cognitiva."
É só pensar no fenômeno corinthiano, do clube de massa, que amplia o escopo de realização do indivíduo cerceado pela opressão social. Eu, são paulino que sou, já neguei isso em não tão priscas eras, mas um amigo corinthiano me fez perceber como esse universo da favela, do pobre, agregado simbolicamente pelo Corinthians expandiu as possibilidades de percepção do indivíduo marginalizado, fazendo-o se compreender como algo além e espelhando-se nas conquistas de seu time. O mesmo processo ocorre quando você vê a quantidade de pessoas que ainda votam e dão suporte ao presidente Lula, mesmo depois de tantos casos de corrupção ligados a ele. A recente ascensão da classe C também explica isso.
Como respondi a uma outra amiga, o futebol é uma representação simbólica, do ponto de vista da identificação "mítica", digamos assim, não da identificação explicitamente ideológica. O futebol cria mitos e é sustentado por esses mitos, e é só observar os termos associados ao futebol para perceber que estamos no ambiente do mais puro imaginário mítico: a magia, o fenômeno, o fantástico, o mágico... tudo isso faz parte do ambiente extremamente importante do imaginário, e tudo está lá: num chute que acerta o ângulo, numa defesa impossível, numa vitória de um time pequeno, numa disputa de pênaltis, num drible certeiro, numa jogada que fica pra história.
No caso da ideologia fica complicado se identificar, em geral, pela própria maneira como o esporte é gerido. A constituição da sociedade brasileira, que faz com que apenas os mais pobres se tornem jogadores, leva a uma identificação dos torcedores com as origens dos jogadores, mesmo que depois eles rumem para outros clubes e ostentem suas conquistas financeiras. Muitos jogadores fazem projetos sociais em seus locais de origem, como a fundação Cafu, mas acho que o alcance disso está sempre limitado pelos reais culpados pelos problemas do futebol: os dirigentes. Eles precisavam ter uma visão diferente para que o esporte pudesse atingir efetivamente as massas como algo mais construtivo. Mas, do ponto de vista simbólico, é algo bem forte e muito útil o futebol.
Mas, concluindo de maneira incisiva, eu não concordo e, com o perdão da força da palavra, não respeito a opinião de quem reduz o futebol a um mero fator de alienação. Ele é mais uma consequência que um agente e, sinceramente, quem afirma isso tem uma percepção distorcida ou, pelo menos, muito restrita, da realidade social e psíquica que o circunda.
Eu acho incrível que, no fim das contas, as manifestações de todos os lados só deixam mais claro as pessoas amargas e hipócritas que a nossa sociedade criou: quando rola festa de um time por ser campeão todo mundo reclama do pão e circo, diz que futebol é ilusão, alienação, etc. Agora quando vai votar, defender seus direitos, mudar a sociedade efetivamente, ninguém sabe nada de história, nem da mais recente, e ninguém quer debater e discutir sobre política, sobre filosofia, sobre religião... e chama o fã de futebol de alienado! Quando um moleque sai pra rua pra defender seus direitos, é um vagabundo que só quer confusão e, ao invés de estudar, esbanja o dinheiro dos pais com drogas. Quando um professor ou um trabalhador entra em greve, é um vagabundo que deveria estar trabalhando ao invés de protestar. 
Véi, na boa? Alienado é você, que fica debatendo novela da Globo, engolindo passivamente programas mixurucas de tv e se emocionando com as frases supérfluas do Pedro Bial enquanto torce pra seu Big Brother no facebook, e não tolera um momento de alegria de quem gosta de futebol. Excetuando quem reclama pelos seus animaizinhos, que sim, sofrem pacas com fogos de artifício, gastos em exagero nesses momentos, tenho certeza que os que reclamam não estavam na missa, no culto ou no terreiro, orando pra mentira qualquer em que vocês acreditam, durante o jogo de hoje... Mas no carnaval, no reveillon, a quermesse ou em qualquer outra festa você vai estar comemorando muito, né? Até soltando rojão!
Perdão, caro pseudo intelectual de facebook, mas antes de você nascer, o Dr. Sócrates já tava lutando pela sua liberdade. Por isso seja menos imbecil e mais tolerante: não é porque você é infeliz que os outros tem que ser também.
Pode fazer festa Corinthiano! Você merece.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Eu não sou conservador

Retirado do genial Olavo da Depressão.

Vi um interessante vídeo ontem de um desses vlogueiros semi-profissionais sobre antiteísmo. Não concordo com todas as palavras do senhor Pirulla, mas uma coisa que eu gostei foi a alegoria da mola, que serve muito bem ao que pretendo expor aqui. A ideia é que as minorias oprimidas funcionam como uma mola que é pressionada até o limite e num dado momento, se expande de uma vez, porém essa expansão se dá violentamente e para além do estado de repouso inicial da mola. Da mesma forma, no exemplo do vlogueiro, os ateus viveram séculos de opressão até um dado momento em que decidiram se expor de maneira agressiva e com algumas atitudes que ultrapassam o limite que eles mesmos deveriam se impor.
Acho porém que poderia compor, a partir daí, um sistema de duas molas opostas: enquanto uma se expande, por vezes, outra se contrai no sentido oposto. Esse sistema, pra mim, explicaria o crescimento do conservadorismo no Brasil.
Desde pelo menos a década de 50 vimos um crescimento nunca antes presenciado dos direitos civis e das minorias oprimidas no mundo. Mulheres, negros, gays e outros adquirem dia após dia mais direitos e espaço na sociedade, bem como novas posturas acerca de temas anteriormente censurados pela moralidade vigente passaram por uma revisão e ganham nova amplitude no mundo moderno. Hoje chegamos num momento onde as conquistas se evidenciam ainda mais, e em que revemos em todos os discursos humanos as posturas assumidas até então: crescem os movimentos cívicos e sociais pelos direitos de todos, pela igualdade, pela liberdade.
A mola que se expandiu, porém, esmagou outra que, agora, começou seu primeiro rebote violento.
Hoje, dia 16 de novembro de 2012, João Mellão Neto publicou o seguinte texto:


Há vários pontos a se destacar, por isso vou por partes. Em primeiro lugar, uma afirmação dessas vindo deste distinto jornalista não soa nova a ninguém que o conhece. Apoiador de Jânio Quadros, ministro do trabalho de Fernando Collor de Melo, secretário de habitação de Paulo Maluf, deputado pelo PFL (atual Democratas), seu currículo é vasto em referências a seu lado conservador, que defende com veemência há anos.
Mas sua intenção no artigo não se restringe ao leitor conservador de sempre, mas a um libelo confessional na forma de um manifesto (dentro dos limites que uma coluna de jornal impõe). Isso fica bem claro na sua última linha:

Os principais países desenvolvidos têm, todos eles, partidos conservadores que disputam e vencem eleições. Por que será que só aqui, no Brasil, os conservadores relutam em se admitir como tal? Se o problema é a falta de alguém que puxe o cordão, tudo bem. Eu me declaro um conservador. E não tenho por que ter vergonha disso.

A ideia é de que o conservador, oprimido pelo pensamento de esquerda, se recolheu e não se expõe mais, não assume o que é de verdade. Como a mola do lado libertário se expandiu, a mola conservadora cedeu seu espaço.

Num outro texto, o mesmo Mellão Neto explica com muita clareza o que ele chama de conservador (o trecho é longo, mas vale a leitura):

O primeiro autor a retratar o conservadorismo foi o irlandês Edmund Burke, no final do século 18. Seu livro Reflexões sobre a Revolução na França e sobre o Comportamento de Certas Comunidades em Londres Relativo a esse Acontecimento foi uma resposta aos excessos cometidos pela Revolução Francesa. Segundo Burke, todas as reformas necessárias poderiam ter sido implantadas sem derramamento de sangue, ou a execução de seu rei.
E o que é o pensamento conservador? Em primeiro lugar, o conservador entende que os pensadores atuais são meros anões nos ombros de gigantes do passado. Eles acreditam enxergar mais longe, mas isso se dá unicamente em função da estatura de seus antecessores. No que tange a ideias, tudo o que existe já foi pensado ou implantado no passado. A única que medrou foi a da democracia liberal - conceito que foi mais bem desenvolvido por Karl Popper na sua obra Sociedade Aberta e os Seus Inimigos.
Os conservadores, por entenderem - como Platão - que a prudência é a maior da virtudes, levam muito a sério o que denominam "teste do tempo". A ideia subjacente disso é a de que o passar dos anos é o grande algoz das falsas ideias. Elas surgem, empolgam e algum tempo depois desaparecem ou caem em desuso. Se isso é válido até para as ciências, que dirá, então, da sociedade?
O conservador entende que, apesar do gigantesco avanço tecnológico dos tempos recentes, praticamente em nada se evoluiu em termos de moral ou de política. Apesar do conforto material ser muito maior, será que tivemos algum avanço em termos de felicidade? Provavelmente, não. O homem é até mais infeliz porque foi desentranhado de seu hábitat natural. E esse hábitat era harmonioso, uma vez que fora o resultado de séculos e séculos de arranjos sociais, todos eles decorrentes de tentativas e erros através da História.

A ideia geral do conservador para Mellão é que ele busca a felicidade baseado na tradição inaugurada pelos seus antecessores, e que essa felicidade reside numa moral que não está diretamente relacionada ao bem estar social almejado pelas revoluções. A revolução, aliás, é o que o conservador mais abomina : ele crê numa melhoria paulatina da sociedade, em busca de um bem comum (felicidade) intrinsecamente ligado à moralidade e à tradição, e não crê no poder reformador da luta. Em primeiro lugar, a harmonia para o conservador se posiciona num paraíso edênico (o tal habitat natural), que na construção de uma realidade nova pela distorção da antiga. O "retorno às origens", a sacralidade dá o verniz necessário de moralidade - absorvida do pensamento religioso, portanto - que o conservador precisa para se considerar como tal. E é imperioso, para o conservador, o poder do tempo sobre as ações, nunca do ponto de vista de um materialismo-histórico, mas sim de um ponto de vista platônico. O exemplo da Revolução Francesa volta no texto de hoje.
Outra delimitação importante do conservador para Mellão é da inflexibilidade moral:

Voltando às principais teses conservadoras, um conservador de verdade não tolera o relativismo moral. Ainda no século passado, terríveis consequências sofreram os povos onde ocorreu um colapso da ordem moral, onde os cidadãos transigiram quanto a isso. A moral há de ser uma só, seja ela fruto de revelação divina ou tenha sido forjada pela convenção humana. Ela é o resultado de um arranjo costumeiro, cuja origem data de tempos imemoriais. E é ela que nos preserva do abismo.


A ideia (por mim grifada) de que a moral é única e não-relativa é central no pensamento conservador, e é o que liga intimamente o conservador à tradição religiosa. A ideia de que a moralidade humana "data de tempos imemoriais" e "nos preserva do abismo" é de fácil legitimação religiosa.
A inflexibilidade moral permite ao conservador, por exemplo, advogar contra o desvio de comportamento. É o que faz com que os conservadores sejam contra os direitos de minorias e, portanto, se vejam no direito de criticar o espaço conquistado por aqueles que contrariam a moral. Mesmo que liberdade de expressão seja uma conquista intimamente relacionada com a queda de reis desde a Revolução Francesa, conservador algum se envergonha de advogar a favor dessa causa quando convém. Na verdade, é aí que a inflexibilidade moral se flexibiliza, no discurso.
Isso vem em grande parte do fato de que um conservador é, antes de tudo, um defensor dos direitos do indivíduo, não da sociedade em si. A partir do momento em que o indivíduo moraliza-se, a sociedade caminha junto. Aí que reside, por exemplo, a crítica do conservador jornalista da Veja que esta semana assombrou o país - como é esmero da agenda da Editora Abril - com seu texto dobre gays, cabras e espinafres. Ao invés de submeter meus parcos leitores ao mundo mágico de Guzzo, eu parto direto da definição de conservador, para a Lola:

É típico dos conservadores centrar-se apenas no indivíduo. Assim, não existe contexto, não existe condição social, não existe história, nada. Fracassos e sucessos podem ser creditados a indivíduos, naquela ideologia que todos estamos em condições iguais. Para Guzzo, não há comunidade ou movimento gay, pois o que temos são indivíduos. Se ele não acredita na existência do movimento gay, tampouco deve acreditar que o movimento feminista exista.

Na verdade, cara Lola, o movimento é algo errado pois contraria o conceito conservador de imobilidade. O conservador é aquele que não se mobiliza, que não entra em conflito. Ele acha a ideologização um erro, ele condena a revolução e não vê legitimidade na ação. O conservador, como o nome deixa claro, conserva valores morais ligados a uma tradição antiga e a tradição em si, como repositório da moral.


O problema é que quem advoga ser conservador nunca vai respeitar a tradição do outro. Na sua individualidade moralista, a moralidade é sempre a da SUA tradição. Ora, um islâmico ao chicotear a sua mulher porque ela foi violentada está sendo condizente com sua tradição e a de seus antepassados, não? Mas o conservador não vai ver esse lado, somente o seu lado. Como deixa claro o filósofo (pausa dramática) Olavo de Carvalho, "conservadorismo é a civilização judaico-cristã elevada à potência da grande economia capitalista consolidada em Estado de direito."
Quem advoga ser conservador, no Brasil, sempre é um cristão neo-liberal. Em geral, o conservador é intolerante contra o que é diferente, e isso está em Guzzo, em Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, João Mellão Netto e no Padre Marcelo Rossi. E esse é seu eixo moral, aquele que é inflexível. Na verdade, a contradição temporal do conservador incide nessa chave, ou seja, ele crê que o tempo é um senhor soberano para os outros, pois ele crê na atemporalidade de seus preceitos, ademais, naturais.


Acima de tudo, o conservador é um defensor da autoridade.
Eu repudio, veementemente, a autoridade ontológica (isso existe?), aquela autoridade assentada num direito natural, que abraça a autoridade divina e flerta com a monarquia. Ser conservador, num mundo como o nosso, não é apenas uma postura politica, para mim. É desvio de caráter.
Não há razão, por mais honesta que seja a atitude de gente como o Mellão, de se defender a imobilidade, a falta de ação e a ausência de revolução. Não há vida, da mais simples à mais complexa, sem revoluções - sejam estelares, amorosas, íntimas ou celulares. Cito aqui um texto recém descoberto por mim de Jaldes Menezes, professor da UFPB, comentando o livro Porque virei à direita, com depoimentos de iminentes neo-conservadores brasileiros:

No livro dos direitistas brasileiros, a veia polêmica do conservadorismo continua afiada e acompanhada do doutrinarismo histórico. Pessimistas, o ideal de homem do conservadorismo cinge-se a reiterar o passado. Contrários ao novo nos fronts da política e da cultura adoram contemplar a paisagem do grande hotel do abismo. Parafraseando o poeta Manuel Bandeira, não quero sabe de poesia que não seja libertação.

O papo vai longe, mas termino o texto com as palavras da jovem estudante - e bolsista do Prouni - fundadora do novo ARENA:

"Queremos implementar mudanças na sociedade de forma gradual, ordeira e com estabilidade. Propomos um jeito de fazer política com convicção, com propostas e focado na resolução dos problemas dos país. As pessoas querem solução e não discussão".

E assim evoluiremos - sem discussão, sem reflexão, nas mãos invisíveis de um rei imaginário.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Pequena reflexão sobre a preguiça


Acho engraçado quando alguém fala mal do Bolsa Família. A crítica sempre pende pra dois lados: ou ele é um recurso assistencialista, que provoca (ou desperta) uma 'preguiça' no beneficiado que, sem ambição e contaminado pela malandragem 'natural' do brasileiro, acaba por se dedicar a usufruir dos bens oferecidos pelo governo em detrimento do trabalho; a outra crítica é calcada no símile do pescador, que devemos ensinar o trabalhador a pescar, não dar-lhe o peixe.
O perfil macunaímico que se atribui ao brasileiro comum e pobre, esse jeito 'Jeca Tatu' é indissociável da sua imagem, principalmente sob os olhares da classe média. O brasileiro pobre, para uma boa parcela da população, ainda é aquele d'O Cortiço de Aluísio Azevedo, que vive uma vida de baixeza extremamente sexualizada, que tem instintos de um animal e a preguiça inerente à sua condição social. Esse é o motivo, para a maioria dos meus amigos professores, pelo qual os alunos não aprendem e pouco se interessam pelo conhecimento, bem como é a justificativa para que a válvula de escape deles seja a displicência, indisciplina e a violência.
Mas quem criou a preguiça? Há uma característica fenotípica, genotípica ou etnográfica que defina um certo grupo como mais preguiçoso que o outro?
O ócio tem sido motivo de discussão desde a antiguidade, mas esse texto não é uma tese acadêmica, portando não preciso voltar a Aristóteles para defender nada. O importante, a meu ver, é que nosso discurso de vagabundagem, de preguiça, tem pouco a ver com um comportamento natural do brasileiro, e muito mais a ver com algo mais humano e, ao mesmo tempo, moldado pela máquina capitalista.
Sim, vou ser um comunista de mierda agora. Me processe.
Num sistema como o nosso, onde o capitalismo deixou de ser um sistema e se tornou uma epidemia, a preguiça é um reflexo puro do desalojamento do indivíduo de sua "função" social. O indivíduo, numa sociedade produtora de dividendos, é um indivíduo movido pela utilidade. É simples explicar isso: eu sou estudante de grego antigo, cansei de ouvir a pergunta "pra que serve" atrelada ao meu exercício intelectual. Por muito tempo busquei responder, até perceber que o problema estava na pergunta, não na minha escolha. É necessário, ao comum usuário do universo acadêmico - que é, ao mesmo tempo, cliente e pré-proletário - que seu estudo seja um "serviço", seja já um "ofício" ou pretenda ser. Porque no sistema capitalista, o "inútil" não tem espaço, ele não gera dividendos, não move as engrenagens. Eu não faço faculdade porque é um direito meu, nem porque quero exercer uma reflexão filosófica sobre algum aspecto da sociedade, ou da história ou das artes. Eu sou um beneficiário de um sistema que prevê um indivíduo totalmente voltado a sua "função" social, ao utilitarismo, submetido às normas de trabalho e geração de dividendos. Eu, afinal de contas, sou um investimento de todo o país.
O investimento que o país faz em mim, porém, nunca fez nos seus pobres. Isso porque, obviamente, eles não tem como gerar lucro, eles são uma face do sistema que o capitalismo gera e, ao mesmo tempo, ignora. Eles são o resíduo da produção, o resto, o bagaço. E, dessa forma, não são importantes para a máquina. Assim, quando o governo que investe em mim para que eu faça a sociedade andar investe no outro que não contribui em nada para isso, temos dois problemas: ou o dinheiro está sendo gasto à toa, pois esse indivíduo nada tem a oferecer; ou o método está errado, pois se faz necessário tornar o indivíduo útil à sociedade antes de oferecer a ele as benesses da mesma. É o mesmo sistema capitalista, contudo, que leva o indivíduo preguiçoso a ser preguiçoso, pois ele não faz parte desse sistema, ele não se encaixa nas normas, na lógica do trabalho. Trabalhar é uma necessidade apenas se tivermos em vista a subsistência, bem como crescer, ambicionar, é algo que só faz sentido para quem vê para onde se pode crescer. Em verdade, professor, quando seu aluno prefere ficar ao celular a assistir a sua aula, ele o faz porque o máximo de crescimento que seu aluno pode almejar (ou consegue ver como possibilidade) é a fetichização.

Um sistema de utilidade como esse não aceita outro tipo de presença altruísta além do voluntariado, que hipocritamente toma o lugar do Estado no sistema. O voluntariado é apenas uma maneira de suprir o vácuo da assistência mínima que o próprio Estado deveria provir: de maneira a não onerar o cidadão que contribui com seus impostos, esse mesmo se engaja em um esforço não remunerado em prol do outro que não se adéqua ao sistema. A inclusão do marginal via voluntariado é tão superficial quanto a intenção do voluntário em ajudar o próximo, e quem impõe a parcela de dever na ação altruísta é em geral algum sistema filosófico conservador: a religião, a moral, a televisão, etc. Porém, mesmo que não haja troca de lucros concretos no voluntariado, há uma produção de dividendos para o voluntário: seja em abatimento de impostos quando da formação de uma ONG, seja o lucro pessoal de dispender uma parte do seu tempo útil para o outro, seja pela conquista de um status de benfeitor que o permitirá uma melhor avaliação por parte da sociedade. E não é à toa que o voluntariado seja deslocado para o tempo livre, pois ele é uma forma de utilitarizar o ócio e, não obstante, por não envolver troca concreta de dividendos, não é uma atividade que faz parte do "horário comercial", da vida útil do cliente/cidadão.
Por isso a meritocracia é tão valorizada no nosso mundinho de ascensão econômica. Por isso vemos a classe média brasileira em polvorosa com a possibilidade de perder o seu espaço "de direito" nas universidades de excelência por causa de cotas, sejam raciais ou sociais. Na cultura do mérito - que bebe do ideário conservador, religioso e moralista, para se sustentar -, o desprivilegiado não é uma mazela social ocasionada pelo sistema, mas um indivíduo que precisa se adequar ao mesmo sistema para "vencer" a corrida do capitalismo. É como se enxergássemos o pobre como o Felipe Massa, que depende - hipoteticamente, claro - apenas de seu talento para derrotar Fernando Alonso, quando na verdade ele é um piloto de uma equipe minúscula, que não tem recursos para conquistar esses espaço pois está excluído do sistema que permite a um piloto ser campeão. Vai sempre aparecer, aí, aquele a dizer que Alonso não começou na Ferrari, que ele surgiu lá na Minardi e foi galgando espaço com seu esforço e dedicação, uma dose de sorte e talento. Mas nunca ninguém vai falar de todos aqueles pilotos que não frutificaram, seja por falta de talento, ou porque não tiveram o investimento de um Banco Santander por trás de suas carreiras. É assim que tratamos o pobre, no Brasil.
O Bolsa Família não é a solução de nada, não é a redenção dos pobres, nem seria adequada às minhas próprias ideologias, mas também não é o demônio que tirou o porteiro de seu prédio. O problema é que a concepção de um sistema de distribuição de renda é o oposto do que uma sociedade capitalista pretende ser. E, psicologicamente, o indivíduo mergulhado nesse sistema tende a ver apenas o reflexo superficial, o recorte do problema. Uma sociedade voltada para a economia como pilar só se sustentará quando perceber que renda é um não é um bem, é um recurso que precisa ser distribuído e não concentrado.
A preguiça não é um problema do indivíduo, é um problema do capitalismo. O ócio criativo não existe mais quando vivemos numa sociedade que capitaliza o ócio, que vende conhecimento humano e compartimentaliza a individualidade. Enquanto olharmos para o reflexo do problema ao invés de suas causas, não conseguiremos atingir o senso crítico necessário para superar o problema.

domingo, 16 de setembro de 2012

Diga-me com quem andas...




Todos que me conhecem sabem que eu sou leitor da Carta Capital. Acho que, nesse jornalismo semanal que se estabeleceu no país, ela é a melhor das revistas, até porque o parâmetro de comparação (Veja, Época e Isto É) é muito baixo, e está diretamente ligado ao lado da balança com a qual eu não me afino. Desculpem aqueles que não acreditam nisso, mas eu sou de esquerda e sempre vou ter mais simpatia com essa cara da moeda filosófica ocidental que com a velha coroa. De qualquer forma, me assustei ao ler o texto de Marcos Coimbra sobre o julgamento do suposto mensalão.
Não, eu não acredito na tese de que tenha existido o mensalão nos moldes que a mídia apregoa. Não acho, ainda, que todos os acusados sejam realmente tão criminosos quanto se quer. Odeio esse pré julgamento, que já decidiu que todos são culpados porque são políticos, não porque são suspeitos. Acreditar na tese de uma corrupção plena e irrestrita que comanda toda a política nacional é ser tão massa de manobra quanto achar que x ou y são inocentes. As pessoas não percebem, mas a desilusão política substituiu o senso crítico no país de tal forma que a única coisa discutida é a corrupção. Não se debate o sistema que leva a corrupção, como está estruturada nossa política e como conduz-se o modelo eleitoral brasileiro. O mensalão e todo e qualquer caso de corrupção são tratados sempre (e a mídia é a mola mestra disso) como ESCÂNDALO. Ou seja, tem a mesma profundidade que a próxima escapulida do Adriano de um treino do Flamengo.

Por isso eu não compro a tese do mensalão como ela se apresenta. Mas também não sou cego ou burro: algo aconteceu. O que, para os articulistas da Carta Capital, os pôs numa complicada berlinda.
Eles são apoiadores irrestritos do governo do PT, como eu sempre fui. Isso não é problema, aliás. Eu gostaria que todos os veículos assumissem a sua diretriz ideológica e seus candidatos como a Carta e o Estadão fazem, cada um pro seu lado. Mas ninguém pode simplesmente negar o que está acontecendo pelo simples fato que seus aliados podem estar caindo. Ao fazer isso, a Carta Capital e o seu articulista não se diferenciam tanto de Veja e seu feroz cão de guarda, o Reinaldo Azevedo.
Se a suprema corte brasileira, o STF, é o único detentor do direito de julgar de verdade o caso e não a mídia, como sempre apregoa Mino Carta, por que agora se ataca o STF? Porque se faz julgamentos ad hominem, procedimento adotado pela própria Veja e tão criticado pela mesma Carta? A que propósito se coloca o texto de Marcos Coimbra senão defender os interesses de seus patrões, tão envolvidos com PT quanto a Veja com os Democratas e Tucanos?

Uns fazem saber que andam de motocicleta, outros que são exímios músicos, alguns se apresentam como poliglotas. Identificamos seus times de futebol, os restaurantes que frequentam. Às vezes, até seus negócios e os ambientes inadequados que frequentam.

Eu concordo que há uma espetacularização excessiva em tudo na nossa mídia. Mas isso permite que ponhamos em dúvida a lisura dos ministros por eles aparecerem em demasia na mídia? Ou é apenas uma maneira de descaracterizar o julgamento, esvaziando o sentido dele e permitindo apenas uma visão do que ocorre? O que dizer do Joaquim Barbosa, que de herói da revista virou vilão após decidir condenar os "mensaleiros"? Quer dizer que a Carta apoiará Gilmar Mendes se esse decidir não punir ninguém?
A única coisa que realmente temos que ficar atentos é se os juízes estão cumprindo seu papel de julgar, não aplaudir quando se faz a justiça que queremos de um lado ou de outro. Não sou também imbecil de achar que a nossa corte é incorruptível, mas de que adianta apenas defender a corte quando ela julga pro seu lado? Eu não acredito na inocência de metade das pessoas ali e, pra ser bem sincero, acho que nem o Zé Dirceu é 100% inocente, apesar de não termos provas contra ele. É desonestidade, pra mim, criticar a Veja por colocar o Marcos Valério em sua capa acusando o Lula de chefiar a "quadrilha" e depois desmerecer o supremo por absolver o João Paulo Cunha só porque este é "amigo do chefe". Escolher como capa um problema que desvia o foco do assunto principal ("O amianto mata") para proteger os seus patrícios condenados parece não ser mais estratégia apenas da Veja.
Por isso temos essa visão infantil da política nacional: porque nossos veículos informativos confundem ideologia com patriciado. Eu ainda tenho muito respeito pela revista sim, sou seu leitor, mas eu me não sou burro. Espero que a Carta perceba seu erro e não caia nos mesmos erros dos semanários que tanto tem criticado pelos anos. Pelo bem do país.