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domingo, 30 de setembro de 2012

Monteiro Lobato não era racista. Ele era nazista.


Morreu neste sábado, dia 29, Hebe Camargo. Uma cacetada de homenagens está rolando, mas logo surgem as vozes que, seja pela necessidade fútil de serem do contra ou por um dever de moral de lembrar as pessoas de que todos tem duas caras, dizem que ela não foi essa flor que se cheire. Aliás, quem é né? A dona Hebe era conservadora, muito conservadora. Reacionária politicamente, sempre se disse eleitora de Paulo Maluf. Apoiou a ditadura, participou do abominável movimento Cansei, era dondoca, socialite daquelas mais toscas, símbolo do culto ao luxo e à aparência.
Porém, antes de tudo, ela é uma lenda da tevê. Uma mulher que, por 60 anos, fez parte da vida de todos nós. Que construiu uma carreira sólida, respeitável. O momento de sua morte pode ser de reflexão quanto aos seus defeitos, mas não deve ser um momento de crucificar a figura histórica, cuja relação com a tevê é indissociável e que, dentre outras coisas que a fazem um ser a ser admirado e respeitado. Mas não se deve ignorar a presença política dela, as máculas.




Todo dia tem uma postagem/montagem/carta/mensagem, o caralho a quatro no meu facebook reclamando da possível censura a Monteiro Lobato pelo conteúdo racista de seus escritos. E fico abismado como, mesmo amigos de universidade (e eu fiz Letras, veja bem) compartilham a ideia esdrúxula de que, por algum motivo que o cosmos não explica, Monteiro Lobato não era racista.
Ele era. Racista, conservador, higienista e flertava amigavelmente com o nazismo... e o fazia abertamente!

uma matéria extremamente elucidativa da Bravo que deixa bem claras as aspirações do suposto grande escritor infantil brasileiro. Mas é no próprio texto de sua obra mais famosa, a série sobre o Sítio do Pica-pau Amarelo, que encontramos muito de seu racismo:


“Sim, era o único jeito – e Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros.”


Eu não sei em que planeta você vive, mas chamar uma pessoa negra de "macaca de carvão" e, de tal modo, dizer que subia em árvores "com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros" me parece algo muito, mas muito racista.
Qual o problema, então, que temos com a possível censura desse tipo de conteúdo?
A meu ver, dois:
Com medo de verem maculada a sua própria infância, de verem retirada dela a aura de pureza e inocência que lhe é conferida, as pessoas reagem com violência. "Como, em sã consciência, podem dizer que o livro que me formou é racista?" pergunta o abismado leitor, que desde cedo foi condicionado a compactuar com os ditames dogmáticos da educação nacional, que impôs que o Monteiro Lobato era o único escritor infantil relevante e, assim, o fundamental para educar as crianças. Isso passou pelas ditaduras, foi crivado pela série da Globo e defendido por várias gerações sem que houvesse uma sequer revisão do texto de Lobato.
A segunda questão é aquela mais grave, que aparece todo dia pra quem tem olhos pra enxergar: o brasileiro não se enxerga racista. Ele acha que apontar o dedo e dizer "ei, isso foi racista" é se render ao discurso fácil do politicamente correto, e que isso tolhe sua liberdade de opinião. Isso é corroborado pela miríade de "pensadores" que hoje defendem que "politicamente correto" é sinônimo de "censura", e que não vêem numa piada com uma mulher no volante algo machista. Acham que isso é exagero. Esses se proliferam de maneira assombrosa, sempre citando Olavo de Carvalho, Pondé e Reinaldo Azevedo como mentores. Daí, quando sai um livro que diz claramente "Não somos racistas", como o do Ali Kamel, as pessoas dizem amém em prol do conforto da alma.
As mesmas pessoas acham que o sistema de cotas está "empobrecendo" o pensamento dentro da universidade. Acham que os donos de terras tem o "direito" de defender suas propriedades custe o que custar dos índios selvagens. Não acham uma piada sobre estupro algo machista.
Em suma: não são negros, nunca foram revistadas, não apanharam de polícia.
Conquistamos um espaço importante de debate e estamos cada vez mais percebendo aqueles lugares sociais onde certos preconceitos se desenvolviam. Só que, se as pessoas não entendem a diferença entre o politicamente correto e a censura, se elas acham que chamar alguém de preto ou fazer piada com estupro não é preconceito, fica difícil andar pra frente. E uma das coisas mais importantes para aprendermos a avançar nesses campos é, justamente, aprender a rever o passado com olhos críticos. Vivemos em uma sociedade que não sabe lidar com suas conquistas, essa é a verdade.
Quando criticado por ser racista, Monteiro virou baluarte da luta contra a censura. Sério, isso é, em bom inglês, BULLSHIT!! Não há argumentos que valham para defender alguém capaz de escrever as seguintes palavras:
"País de mestiços, onde branco não tem força para organizar um Kux-Klan (sic) é país perdido para altos destinos"(..)
"Nos Estados Unidos, a eugenia está tão adiantada que já começam a aparecer 'filhos eugênicos'. Uma senhora da alta sociedade meses atrás ocupou durante vários dias a front page [primeira página] dos jornais mexeriqueiros graças à audácia com que, rompendo contra todos os preceitos da ciência e sem se ligar legalmente a nenhum homem, escolheu um admirável tipo macho, fê-lo estudar sobre todos os aspectos e, achando-o fit [adequado] para o fim que tinha em vista, fez-se fecundar por ele. Disso resultou uma menina que está sendo criada numa farm [fazenda] especialmente adaptada para nursery [creche] eugênica. E lá vai ela conduzindo a sua experiência de ouvidos fechados a todas as censuras da bigotry [fanatismo]".

Chama a atenção não apenas a defesa da Kux-Klan (e se você não sabe o que é isso, nem tem como comentar nada sobre racismo) mas, como a própria matéria da Bravo explica, a prática apresentada e defendida por Lobato foi usada na Alemanha nazista, sob o nome de Lebensborn.
E eu te pergunto, caro Lobatiano: você gostaria que seu filho lesse um livro escrito por um defensor de ideias nazistas. 
Conformar-se com o discurso de que não se deve censurar "uma obra literária" e que há uma perseguição contra o Monteiro é aceitar o racismo, simples assim. Essa história toda é conversa pra boi dormir. Mas, tanto insistem nisso, que até já tem petição pública contra o julgamento, com um texto que me envergonha de tão tendencioso e equivocado.

Permitam-nos dizer o que pode ser óbvio: a construção de personagens em obras ficcionais se faz muitas vezes por meio de estereótipos. Arriscamos dizer que toda obra cômica faz isso. E também que boa parte dos personagens secundários, de obras boas e ruins, são construídos por meio de estereótipos, porque são personagens planos, sem densidade, apresentados por meio de poucos elementos, de traços rápidos. Estereótipos não são um elemento negativo de uma obra. São, sim, elemento constitutivo da produção ficcional. Cremos que os responsáveis pelo PNBE também pensem assim e por isso tenham selecionado (nas diferentes edições do programa) obras que contêm, sim, personagens construídas por meio de estereótipos, sem que isso signifique demérito para as obras, nem tampouco flexibilidade no julgamento da equipe que seleciona os livros.

E desde quando nós devemos aceitar que esteriótipos como "negro é macaco" sejam promulgados apenas porque a literatura é feita de personagens planas? Eu não sei como, em sã consciência, pessoas podem defender isso. E tem mais merda de onde saiu essa:

Uma certa leitura do edital (a que fizeram os reclamantes) entende que não poderia ser adquirida pelo programa nenhuma obra que contivesse qualquer moralismo ou estereótipo, ou que apresentasse, em sua trama, qualquer ideia racista, preconceituosa, qualquer violência, qualquer forma de discriminação. Por essa leitura, estariam excluídos todos os contos de fadas, por serem violentos e moralistas. Todas as fábulas: moralistas e dogmáticas. As cartas de viajantes e sermões de jesuítas: dogmáticos, política e religiosamente interessados. Estariam excluídas todas as obras realistas, porque, para denunciarem problemas sociais (dentre os quais diferentes formas de discriminação), elas antes os apresentam. Estariam excluídas todas as obras românticas, por apresentarem “estereótipos saturados” (outro termo do mesmo edital). Gregório de Matos, José de Alencar, Visconde de Taunay, Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Euclides da Cunha, Lima Barreto, Mário de Andrade, Erico Verissimo, Antônio Callado, Rubem Fonseca, a lista é extensa. Não ficaria um autor em pé. Infelizmente, parece-nos que a compreensão estrita do edital permite essa interpretação.

Eu não sei de quem é a autoria desse texto, mas aplaudo o seu conhecimento de literatura. Você foi capaz de confundir "incitação ao racismo" com "denúncia". Foi capaz de dar a mesma leitura para um conto de fadas popular e obras religiosas de jesuítas! Literatura agora é tudo isso aí, sempre no mesmo pé de igualdade e sem nenhuma implicação histórica, política ou social. É um ente isolado do tempo e do espaço, pois se a literatura de catequese dos jesuítas não é preconceituosa, não massacrou culturas, não subjugou a consciência de um outro povo, eu nada sei de cultura e sociedade.
O mesmo Lobato, que eu me lembre, não é aquele que destruiu a Anita Malfatti com seu clássico artigo "Paranóia ou mistificação – A propósito da exposição Malfatti". Não, nessa hora vão ficar todos do lado da Anita, claro! Porque só se é conservador quando interessa, né?
Eu, do meu lado, não vejo distância alguma entre o autor das frases racista que citei e do texto contra Anita. Basta-nos ler a pérola famosa nos livros escolares e que coroa a mentalidade "progressista" do Sr. Lobato:

"Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. (...) Caricatura da cor, caricatura da forma – caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma idéia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador."

Esse mesmo monteiro que chama Anastácia de macaca foi quem criou Jeca Tatu, o caipira preguiçoso. Ele, anos depois, se desculpou pela criação, mas sabemos que o preconceito - ou esteriótipo, como querem os "doutos" em literatura - permanece, é reproduzido e promulgado em personagens de comédia, em ofensas contra pessoas do campo, em maus tratos contra empregados de grandes latifundiários, etc. Esse Monteiro não é, a meu ver, inocente autor de histórias infantis... ele é mais que racista: é nazista, higienista. É a esse monteiro que a justiça esta direcionando seu julgamento.
 
"Mas Fábio", perguntará um possível leitor, "você é então a favor de que se retirem os livros do Monteiro Lobato de circulação?" 

Eu não sou a favor de censura. Mas também não sou a favor de que não se faça nada.
Sou da mesma opinião de Willian Vieira, em artigo excepcional na Carta Capítal, sobre o mesmo assunto. Racismo não pode mais ser velado: tem que ser exposto, discutido, debatido. Melhor idade para isso é, justamente, na infância, não? Nada melhor do que usar as ofensas de Lobato para conscientizar e desenvolver um senso crítico nas crianças que o lerão apenas como um guia moral. Porque esse é o meu maior problema com Lobato: defendem-no como literatura, mas o tratam em sala de aula e na sociedade como educador, formador de caráteres e moralidades. Logo, se vamos aplicá-lo aos nossos pequenos como um educador, então que os eduquemos em primeiro lugar acerca do momento histórico que ele faz parte, da Ku-Klux-Klan, do racismo em sala de aula, etc. Não é preciso esperar que o pequeno chame o coleguinha de "tiziu" pra que tomemos uma atitude. Não podemos esperar pra tratar de temas polêmicos como esse apenas quando ele já tiver seus 14, 15 anos e já estiver promovendo e reproduzindo os mesmos preconceitos de gerações.

"E por que você citou a Hebe Camargo ao começo do texto?"


Porque ela era malufista, dondoca e reacionária. Quando olharmos para trás, devemos lembrar sempre desses traços. Mas não deve-se, nunca, esquecer da figura eminente que construiu a tevê brasileira e esteve na vida de todos por longos anos.
Não se apaga o passado, mas sim se revê o passado. E pior leitor que aquele impedido de ler, será aquele que ler e, mesmo assim, der as costas pra história. Ao invés de formarmos leitores alienados, vamos ter senso crítico pra formar leitores críticos também.

Pois, se ideias como as de Lobato vingassem, não existiriam nem negros no país para que se discutisse racismo.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Complexo de Macabéa


É fato. Posto coisas sérias no facebook, as pessoas nem ligam.

Posto piadas, as pessoas dão atenção.

O bom é que o facebook virou minha arena de testes do comportamento humano.

E eu, que amo os Franquensteins culturais, me divirto com a geração troll+forever alone.

Claro que, admitamos, a "pregação" é a diversão de uma rede social pra quem não está lá só pra "pegação". Pregação de ideais, distorcidos ou não. E de iconoclastia, à revelia de contra quem.

Sou dos iconoclastas às vezes, outras tantas sou dos idólatras.

É fato. Há uma aura de idolatria por trás de todo cânone, que nada mais é que um reflexo cult da cultura de massas, como advertida por Horkheimer e Adorno. A inversão do cânone, seja por opiniões sinceras e abalizadas, seja por iconoclastia, causa reações violentas de ambas as partes afetadas.

De um lado, os inseridos na industria cultural que fomenta o cânone se vêem como os estetas na torre de cristal, não enxergando além de seus muros. A única diferença destes para os cidadãos viciados na industria massificadora de televisões e rádio é que os últimos não agem como esnobes donos da verdade.

Do outro lado, os que se rebelam, em geral, não são melhores que os "intelectuais conformistas". Eles são rebeldes por vezes sem causa, que defendem e atacam produtos tão diversos que não dá pra saber o que eles realmente querem ou pensam.

Estou do lado dos rebeldes sempre, é a minha natureza.

Mas, em geral, as pessoas que se rebelam e as que aceitam não são tão diferentes.

O mais importante, pra mim, é que haja rebeldia.

Se o cânone fosse assim tão bom, não seria o nome do processo da Igreja pra criar santos.

Da mesma forma, cânones literários, musicais, artísticos são tão cheios de interesses políticos quanto a canonização religiosa. E são defendidos com o mesmo afinco.

Desconstruir um cânone não é difícil, mas não é algo capaz de ser feito APENAS por meio de uma rede social.

Agora, que as redes sociais já são parte mais importante das vidas das pessoas que a leitura cotidiana, ah, isso o são.

Reaprendemos a nos mobilizar. Descobrimos com nossos amigos do oriente (há milênios ensinando o ocidente como agir) que há uma força muito grande na conectividade à distância.

Por vezes não sabemos que existem pessoas tão inconformadas quanto nós com o status quo vigente.

Seja ele um aplicativo do próprio facebook ou um ditador.

No nosso mundo, achamo-nos perfeitamente encaixados e fingimos ser parte de grupos maiores que, tendenciosamente, nos impõe um modo de ser caro ao "perfil" rotulado a nós.

Sou estudante de Letras, com mestrado e doutorando em Estudos Literários.

Não gosto de Clarice Lispector, não me interessa Caio Fernando Abreu, me irrita José de Alencar.

Sou mais a leitura de um bom quadrinho. Ou gastar eu tempo com algo mais útil, como a minha pesquisa.

Sim, eu pesquiso literatura. Aliás, meu autor passou séculos sem ser cânone porque era um épico à sombra dos grandes Homero em Virgílio.

Desconsideravam sua literariedade, sua importância, sua influência.

Se alguém pegar para ler, não é obrigado a gostar, no entanto. Mesmo que eu o faça cânone.

Não é porque você acha que todo mundo dá valor a um autor que ele é o mais importante da face da terra. Pra alguns ele pode ser uma merda. Como a sua religião, o seu time e a sua ideologia.

Aliás, amo Homero e Virgílio.

Nada mais útil para um pensador que a rebeldia.

Nada mais útil para um ídolo que a iconoclastia.

Por isso, no meu complexo de Macabéa, já a li, reli e amei.

Mas cresci.

E a vejo hoje com um distanciamento maior que o que vejo outras coisas.

Mas ainda sou "adolescente" o suficiente pra gostar de heavy metal.

Uma amiga minha tem tatuada a frase "tenho o direito de me contradizer" no braço.

Porque não? Melhor que ser inerte.

Temos que nos livrar das amarras que nos obrigam a ver o mundo através de aforismos.

Aforismos nos são úteis, mas ainda são aforismos.