quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Bolsa Fascista



Há alguns dias, o deputado federal pelo RJ Jean Wyllys, do PSoL fez uma polêmica defesa do programa "Sexo e as Nega", de autoria de Miguel Falabela e veiculado pela Rede Globo de televisão. A defesa soou polêmica não apenas pela natureza do programa em si, considerado preconceituoso por muitas pessoas - especialmente as ligadas às causas da comunidade afro-brasileira e aos movimentos feministas -, mas pelo fato que Jean é tido como um dos raros casos de deputados defensores de grupos oprimidos no Congresso Nacional. Jean não apenas milita em prol da causa LGBT, mas em defesa de mulheres, prostitutas, índios e negros. Jean Wyllys foi duramente criticado e, em certa medida, aceitou as críticas mesmo não voltando atrás em sua posição.
Há alguns dias, um professor e blogueiro famoso no facebook foi acusado publicamente e escrachado por movimentos feministas e simpatizantes após a revelação de um caso de, digamos o mínimo, abuso de poder. A postura soou polêmica por se tratar de um homem assumidamente "de esquerda" e que se manifestava em apoio a causas de mulheres, índios e negros. Descobriu-se que o professor tinha um interesse mórbido em humilhar mulheres casadas - não apenas em seduzir e levá-las a traição, mas em submetê-las a um jogo de humilhações que chegaram até a ameaças pelos maridos contra a vida dessas mulheres. E ele, segundo as acusações, sentia prazer nisso. E, para a surpresa de muitas pessoas, ele foi apoiado por outras figuras eminentes da esquerda, o que gerou uma imensa revolta, especialmente nas redes sociais. Alguns apoiadores até voltaram atrás e se retrataram, mas o professor não. E quanto mais se mexeu no vespeiro, mais coisas foram surgindo.
Ontem, o deputado federal pelo RJ Jair Bolsonaro, do PP, fez um ataque direto (o segundo) à colega Maria do Rosário, do PT, que gerou polêmica.

Cito o DCM:

Em seu discurso, Maria do Rosário, que foi ministra da Secretaria de Direitos Humanos, chamou a ditadura militar no Brasil (1964-1985) de “vergonha absoluta”.

Bolsonaro, que é militar da reserva, foi à tribuna em seguida. No momento da fala do deputado, Maria do Rosário deixou o plenário.
                                                                  
“Fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir”, afirmou Bolsonaro. 


O ataque à deputada gerou uma revolta gigantesca contra o deputado, já famoso por suas posições polêmicas - quer dizer, não deve ser algo tão polêmico para os seus mais de 900.000 seguidores, ou para a parcela da sociedade que lhe garantiu a reeleição com 464 mil votos. Ciente disso, Bolsonaro faz de sua imagem de vilão da esquerda marketing, com publicações como a seguinte:






É estranho, para os preocupados minimamente com direitos humanos, mas esse é justamente o tipo de postura que com certeza garantiu sua reeleição. Bolsonaro é uma figura que faz de uma caricatura seu ganha-pão. É difícil ter consciência se ele realmente acredita no que diz ou se ele é crápula o suficiente para fingir um personagem, mas o fato é que ele representa uma parcela ainda muito significativa da população.
Mas por que eu comecei falando do caso do Jean Wyllys e do professor? Porque, mesmo que os três casos sejam condutas altamente reprováveis - e, no caso do professor, passíveis de investigação, além de repúdio -, apenas Bolsonaro foi eleito para um cargo público justamente por agir assim. Se Jean e o professor geraram atritos entre seus seguidores, Bolsonaro é aplaudido a cada absurdo que diz, como se fosse um herói nacional, o último dentro do congresso. Ao afirmar com todas as letras que não estupraria a deputada porque não merece, Bolsonaro virou alvo de pedidos de cassação por quebra de decoro - apenas porque no Brasil é impossível mandá-lo do Congresso direto pra cadeia. E a mesma afirmação, para seus admiradores, foi apenas mais um dos momentos de glória de um homem em defesa de um país melhor.
Mas o problema maior, pra mim, não é as pessoas que o seguem porque se identificam com ele. O problema é que ele e outros de sua laia fomentaram um crescimento vertiginoso desse pensamento. Tenho certeza que muitos dos que me leem sabem dizer vários amigos, parentes e pessoas de seu convívio social que, por conta das posturas de gente como ele, perderam "o medo" de falar e agora vociferam contra o comunismo, contra o gayzismo e coisas do tipo. Tenho certeza que as reuniões familiares tem ficado mais tensas, que as conversas tem se tornado mais difíceis, que o facebook tem sido palco do fim de amizades entre pessoas que se conhecem há anos. Se a proliferação das redes sociais aumentou nossas conectividade com pessoas distantes, acabou com a empatia entre as pessoas.
Um exemplo: uma amiga querida que como eu votou na Luciana Genro no primeiro turno das eleições presidenciais decidiu, no segundo turno, apoiar a reeleição da presidenta Dilma Roussef. Após a confirmação da reeleição, ela recebeu a seguinte mensagem pelo WhatsApp (optei, por questões de segurança e ética pessoal, apagar as identidades de algumas pessoas das imagens e não mencionar seus nomes):




Sim, era de um amigo que ela mantinha mesmo sabendo das posturas extremamente conservadoras que ele assumia. Ela mantinha a amizade porque separava as coisas, buscava prezar pela amizade de anos. Ela investia na empatia, no laço que não está - ou não deveria estar - submetido a posturas ideológicas, o laço que faz você continuar visitando a casa de seu avô defensor da ditadura, que faz você evitar contrariar o tio machista para não estragar o jantar, que faz a gente que pensa diferente engolir muito sapo.
A empatia está acabando, e junto com ela muitas relações sociais. Muitas pessoas acreditavam que a popularização da internet ia nos afastar e nos isolar no mundo virtual, mas o que aconteceu foi que a proximidade que a internet ocasionou evidenciou todos os problemas que, pessoalmente, se ocultavam à sombra de nossa altruística resignação. Hoje pessoas defendem a liberdade de um legislador dizer que seriam capazes de estuprar alguém como se defendessem o próprio terreno comprado com o suor de seu trabalho. E o que se varria para debaixo do tapete virou bandeira identitária.
E quem é responsável por isso? Gente como Bolsonaro, como Rodrigo Constantino, como Reinaldo Azevedo, como Ronaldo Caiado, como Danilo Gentilli, como Rachel Sheherazade, como Luiz Felipe Pondé... e como o pai de todos, o eminente astrólogo Olavo de Carvalho. A revoltada pessoa da imagem anterior era seguidor do Olavo, e vivia defendendo tudo que ele dizia. Conheci outros que faziam o mesmo, mas uma em especial me chamava a atenção: um cara que surgiu num grupo da minha universidade (mesmo não sendo membro dela) e todo dia postava textos em defesa do Liberalismo econômico, trechos de Mises e Olavo de Carvalho, etc. Ele era sempre rechaçado - pra não dizer ridicularizado - por diversos membros da comunidade acadêmica e sempre respondia com grosseria e arrogância, dizendo que ninguém podia refutá-lo. Na sua última postagem no grupo, eu e um amigo começamos a tirar sarro da cara dele, e ele veio com um caminhão de ataques. Lá pelas tantas, após uma ofensa direta do cidadão ao meu amigo, eu brinquei dizendo que o meu amigo era um lindo e que ele "o pegaria" (no sentido sexual da coisa) se ele quisesse. O que se seguiu?



E então, ele foi excluído da página.
Mas além de entrar num grupo de uma universidade da qual não faz parte apenas para provocar as pessoas e de chegar a mandar-nos "dar meia hora de cu", o rapaz em questão - que foi candidato a deputado nas últimas eleições - nos brindou com um vídeo de apoio de quem? Jair Bolsonaro! Sim, ele foi candidato com apoio de Bolsonaro e posou ao lado dele e do filho, o cidadão que apareceu na manifestação "anti-Dilma" com uma arma de fogo na cintura.
Quando vi a imagem do Bolsonaro Jr. eu fiz uma reflexão no facebook que queria compartilhar aqui também, pois a foto me chamou a atenção para algo que eu sempre noto nesses machões com armas na cintura: o ato de enfiá-la na calça junto ao pênis. O jagunço que defende a propriedade do patrão e o traficante da favela fazem o mesmo gesto, podem notar. De boa, não é piada, eu acho que há aí uma relação direta, ao menos no nível simbólico do gesto, no qual a arma surge como uma continuação do órgão sexual, como se dissesse que ambas, arma e pênis, garantem a virilidade do cidadão. E ambas, arma e pênis, são instrumentos que atiram, que disparam contra alguém a sua essência (delimitando com esse instrumento o limiar vida/morte). Enfim, nessa equação, fica evidente para mim que armar-se, para uma pessoa como ele, significa uma imposição de sua virilidade - e uma compensação, eu suponho. E, claro, podemos pensar que ele vai usar sua virilidade, seu pênis, como arma de domínio do outro, subjugando todos aqueles que se desviam de sua representação de macho, sejam mulheres ou homossexuais. Se um homem que empunha uma arma tem poder, um homem que vê sua arma como parte de seu pênis - ou vice-e-versa - vai pensar a vida falocentricamente, e com isso julgar a tudo e a todos por esse viés. Daí não surpreende as bobagens que sua família (da qual ouvimos apenas os homens) sustentam como ideologia. E daí não surpreenda que o pai desse ser tenha usado como "arma" contra a deputada da oposição justamente o estupro.
E, antes que percamos o foco, é importante lembrar porque a deputada gerou a fúria do "estuprador": ela estava criticando a ditadura militar. Ou seja, além de dizer que ela não merecia ser estuprada, ele falou tamanho impropério em defesa de um regime que matou, torturou e calou o país por décadas. Ele estava, com sua atitude, defendendo a "honra" de um grupo de pessoas que dava choque nos seios de mulheres e nos testículos de homens, que enfiava cobras na vagina de mulheres, que afogava pessoas e as pendurava num pau de madeira de ponta cabeça. Tudo porque essas pessoas se posicionavam contra o governo dos militares. Foi em favor disso que Jair Bolsonaro atacou Maria do Rosário.
Ontem surgiu uma petição em defesa de Bolsonaro, compartilhada por ninguém menos que... Olavo de Carvalho! A petição diz o seguinte:


Excelentíssimo Sr.Deputado Federal Jair Bolsonaro

Nós, abaixo assinados, manifestamos aqui nosso repúdio a todas as ofensas que lhe foram feitas na Sessão do Congresso Nacional do dia 9 de dezembro de 2014 e nos dizemos solidários na sua luta contra o comunismo no Brasil representado por gente como Maria do Rosário e Jandira Feghali assim como os partidos lacaios do Foro do São Paulo. "Estuprador" era o genocida chinês Mao Zedong, que inspirou a fundação dessa organização criminosa chamada PC do B..e quem usou o verbo "merecer" numa campanha contra o estupro foi o governo assassino que Maria do Rosário representa.

Estaremos Juntos,

Cidadãos Brasileiros contra o Comunismo.

Enquanto eu redigia o texto, 4.027 pessoas já haviam assinado essa petição. E, claro, ontem também surgiu uma petição online em repúdio à fala de Jair Bolsonaro, exigindo sua retirada do congresso (não vou me estender em comentários aqui do porque não acredito na eficácia de petições como essa - Renan Calheiros continua lá -, mas acho que essa vou assinar apenas pelo seu caráter simbólico). De qualquer modo, o senhor Olavo esses dias compartilhou um texto que me fez pensar no rumo que as coisas estão tomando:


O texto, mais uma vez, fez-me refletir sobre a questão da empatia. Isso porque, assim como Bolsonaro, pessoas como o Olavo estão interferindo não apenas nos rumos do pensamento político, mas das relações pessoais. Quantos não perderam a amizade de algumas pessoas por conta de assumirem seu posicionamento político? Ele é o ideólogo por trás de Lobão, Genitilli, Revoltados Online e vários outros. Eu, como socialista convicto, sou defensor de várias ideias e bandeiras que o comunismo levanta. Deveria eu ser alvo de intolerância e desrespeito por conta disso? Perderei a amizade e o carinho de pessoas por elas acharem que minhas ideias são canalhice? Seria eu expulso dos meios de convivência por ser assumidamente de esquerda?
Enfim, proponho a cada eleitor do Bolsonaro - se é que eles chegarão ao final desse texto - uma reflexão: se vocês, como seu ídolo, são contra o Bolsa Família porque ele "sustenta vagabundos", porque são a favor de um deputado que votou a favor do aumento do próprio salário e que usa as mesmas regalias de todos os outros? Se vocês tiverem alguma coerência em seu pensamento, porque não exigem dele que doe seu salário, que não usufrua das regalias do congresso? Por que vocês que são contra "medidas bolivarianas" não o atacam por ele estar no congresso há 24 anos?
Jair Bolsonaro é um fascista. Eleger e defender Bolsonaro é como criar um novo tipo de auxílio, a Bolsa Fascista. E só o Brasil pra sustentar Fascistas com nossos impostos, viu?